Esalq e BiomCrop desenvolvem novo conceito para reposição da biodiversidade do solo
09-01-2023

As células de multiplicação da BiomCrop denominadas Célula Regenerativa ProBiom - CRP, instaladas nas fazendas, produzem o biofertilizante; no conceito 3Bs, elas representam a biogeografia
As células de multiplicação da BiomCrop denominadas Célula Regenerativa ProBiom - CRP, instaladas nas fazendas, produzem o biofertilizante; no conceito 3Bs, elas representam a biogeografia

Projeto visa fomentar agronegócio sustentável; primeiro biofertilizante da parceria chega ao mercado em 2024

O futuro da agricultura está no passado. Parece contraditório, mas não é. Enquanto fertilizantes químicos predominam (ainda) no agronegócio, a BiomCrop mira no desenvolvimento de produtos naturais. Esses são capazes de repor a biodiversidade de microrganismos do solo - isto é, voltar o sistema solo-planta às condições de décadas atrás. Agora, essa empreitada conta com a participação da Esalq (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”), uma unidade da USP (Universidade de São Paulo), localizada em Piracicaba (SP).

Essa parceria entre a universidade e a empresa de Leme (SP) foca no desenvolvimento de produtos biológicos, embasados na agricultura regenerativa. Atualmente, a equipe responsável pelo projeto trabalha num biofertilizante multifuncional, para aplicação em grandes culturas, como soja e cana-de-açúcar. De acordo com o cronograma, o produto chega ao mercado em março de 2024.

Novo biofertilizante

Para entender o produto, é preciso saber o que ele é. Biofertilizantes são adubos oriundos de fontes naturais, usados para este fim após serem fermentados. Graças a esse processo, carregam uma grande diversidade de microrganismos. O Probiom, por exemplo, um dos biofertilizantes produzidos pela BiomCrop, possui mais de 500 tipos de microrganismos.

Em relação a este novo produto desenvolvido em parceria com a Esalq, o objetivo do projeto é criar um produto multifuncional com alta tecnologia, voltado à agricultura sustentável.

"É um produto mais seguro e rentável, porque, comparado a um fertilizante químico, sai mais barato para o produtor. [O biofertilizante também] vai garantir segurança alimentar, por ser natural e não ter toxicidade; e resultar na regeneração do ambiente e do solo”, explicou Marta Rodrigues de Oliveira, pesquisadora da unidade Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) da Esalq-USP parceira da BiomCrop.

Marta de Oliveira, pesquisadora da Embrapii, analisando microrganismos no microscópio em um dos laboratórios da unidade, na Esalq-USP, em Piracicaba

Foto: Pedro Spadoni

Aplicar esse tipo de adubo - considerado bioinsumo - aumenta a biodiversidade do ambiente, restringida pelo cultivo de monoculturas e uso de produtos sintéticos ao longo dos anos. Resultado: ambiente mais equilibrado, reduzindo a dependência de insumos (fertilizantes minerais, por exemplo). Ou seja, o biofertilizante, além de mais barato, traz economia de outros insumos ao agricultor. E o consumidor final também tem ganhos.

Em suma, o uso de biofertilizantes - em especial, deste desenvolvido pela BiomCrop e a Esalq-USP - diminui custos de produção e melhora a qualidade do solo. Consequentemente, seu uso aprimora a plantação cultivada em que ele é aplicado. Para agricultores e usinas, isso importa porque o solo é tanto meio de nutrição quanto de sustentação das plantas.

O processo

A "casa de vegetação", na Esalq-USP, abriga experimentos que levam ao desenvolvimento de produtos


Foto: Alan Pavani/BiomCrop

Um ano e meio. Esse é o prazo para criar o novo biofertilizante. Desses 18 meses, se passaram dois, nos quais a equipe se debruçou em trabalhar o produto na cultura de soja. Eles escolheram esse tipo de cultura por tornar a experimentação mais viável, conforme explicou a pesquisadora Marta.

A cientista acrescentou que o grupo está desenvolvendo o biofertilizante com base em metabólitos, que são moléculas produzidas por microrganismos. Marta também comentou sobre o papel do microbioma - conjunto microbiológico abrigado pelo solo - no processo.

"Estamos usando um microbioma que já é natural e inclui bactérias, fungos e demais microrganismos. Eles estão presentes naquele ambiente e produzem moléculas bioativas [benéficas], que são os metabólitos. Elas são multifuncionais e vão, em sinergia, melhorar o desenvolvimento, por exemplo, da planta, do solo e das raízes”, explicou a pesquisadora.

A parceria

Uma parte entra com aporte de estrutura e pessoal. A outra entra com parte dos recursos para tocar o projeto e bagagem sobre posicionamento de produtos no mercado. Essa é a dinâmica da parceria entre  BiomCrop e Esalq-USP, por meio da Embrapii.

"A parceria e o co-desenvolvimento são fundamentais. O papel da universidade é fazer pesquisa, desenvolvimento e trazer a inovação. A empresa entra no co-desenvolvimento e na parte de direcionamento de mercado”, explicou Ítalo Delalibera Júnior, professor da Esalq-USP e diretor da unidade da Embrapii na universidade.

Dr. Ítalo Delalibera Júnior, professor da Esalq-USP e diretor da unidade da Embrapii na universidade, durante entrevista em sua sala

Foto: Pedro Spadoni

A Embrapii é uma organização social que tem por objetivo auxiliar empresas novas a desenvolverem produtos. Isso porque, geralmente, as empresas não possuem infraestrutura dedicada à pesquisa e desenvolvimento no começo da “vida”.

"A gente já tem essa competência [de pesquisa e desenvolvimento] aqui [na Esalq]. Temos infraestrutura montada e pessoal. Então, aportamos isso para trazer inovação para a empresa”, disse o professor.

Buscar conhecimento nas universidades, ao invés de internalizar a pesquisa e o desenvolvimento, é uma das premissas da BiomCrop. E a empresa encontrou, na Esalq-USP, estrutura e conhecimento em microbiologia fundamentais para que o projeto pudesse evoluir. É o que contou Alan Pavani, diretor de Marketing e Inovação da BiomCrop.

“A BiomCrop entrou nessa parceria com a Esalq para desenvolver produtos que representem conceitos novos. Nossa base para desenvolver novos produtos é a biodiversidade. [Esses produtos] serão totalmente diferentes em relação ao que se tem no mercado hoje”, acrescentou.

Para o professor Ítalo, a parceria com a BiomCrop traz benefícios para a empresa, a universidade, o mercado e a sociedade. "Pretendemos trazer para o mercado produtos inovadores, que sejam disruptivos. Hoje, o mercado [de insumos] cresceu muito, mas tem-se muito do mesmo”, disse.

Ao patentear produtos inovadores, a empresa valoriza o mercado nacional e torna o agronegócio mais sustentável. Também oferece um caminho para o agricultor explorar recursos já presentes no solo, conforme exemplificou o professor.

"Existem bilhões de dólares em fosfato [fósforo] no solo brasileiro. Em pouco tempo [depois de aplicado], metade não está disponível para a planta. Ou seja, o produtor tem, no solo, um banco de nutrientes que iria conseguir acessar usando compostos orgânicos, produzidos por microrganismos. As enzimas liberadas no ambiente deixam esses nutrientes solúveis, para as plantas assimilarem”, explicou.

Já para a universidade, o ganho está em desenvolver pesquisas mais avançadas e preparar alunos para o mercado de trabalho.

“Criamos competência interna para avançar o desenvolvimento [de produtos] até a fase pré-comercial. Temos equipes para trazer à indústria não só descobrimento de microrganismos, mas estudos sobre produção e viabilidade [deles], por exemplo. Nós conseguimos criar essas competências a partir dessas parcerias com as empresas”, contou o professor.

Próximos passos

Como é a dinâmica dos microrganismos que produzem metabólitos? Como essa produção acontece? Como ela afeta o sistema solo-planta? O projeto da BiomCrop com a Esalq-USP vai explorar essas questões. Além de respostas, a empresa quer extrair novos produtos e conceitos desse conhecimento.

Desse modo, vamos conseguir produzir conceitos inéditos e produtos diferentes em relação ao que se tem no mercado. Eles vão contribuir para o agricultor na linha de racionalização dos insumos, criar um sistema mais sustentável, deixar a planta mais sadia e o solo mais estruturado. Tudo partindo da premissa da biodiversidade”, ressaltou Pavani.

Essa premissa faz parte da agricultura regenerativa, base sobre a qual a BiomCrop constrói seus produtos e conceitos. Baseado em processos naturais, o sistema seleciona recursos do ambiente para a produção de bioinsumos locais.

Alan Pavani, diretor de Marketing e Inovação da BiomCrop, conversando com a pesquisadora Marta de Oliveira, da Embrapii, na sala do professor Delalibera Júnior

Por mais que a empresa atue no mercado biológico, seu portfólio é voltado para reposição da biodiversidade do solo. Ao regenerar o microbioma do solo das mais diversas culturas pelo país, a BiomCrop busca equilibrar o manejo dos três pilares da agricultura: químico, físico e biológico. Isso viabiliza a perpetuação do solo para agricultores e usinas.

"[O portfólio] traz repositores e ativadores de biodiversidade. Esse foco na agricultura regenerativa passa por esse tipo de reposição, utilizando microrganismos que representam a identidade biológica da região. Também passa pela ativação dessa biodiversidade e da planta”, explicou o diretor de Marketing e Inovação da empresa de biotecnologia.

Conceito exclusivo

Atualmente, o produto carro-chefe da empresa é o ProBiom. Esse repositor consegue regenerar a biodiversidade de microrganismos do sistema solo-planta. No conceito 3Bs, criado pela empresa, o ProBiom entra no primeiro "B": biotecnologia.

O segundo “B” é de biogeografia. Este consiste na utilização de três fontes de inóculo de microrganismos, que representam a identidade biológica da região. Este “B” entra nas células de multiplicação da BiomCrop, instaladas nas fazendas. É a partir dessas células que o biofertilizante é produzido.

Por fim, o terceiro "B": biomonitoramento. É um sistema de avaliação para diagnosticar a evolução da qualidade biológica dos solos. Fazem parte desse monitoramento: análises metagenômicas (de DNA), enzimáticas e avaliações de campo. Em outras palavras, o sistema informa quanto o manejo com o  biofertilizante está regenerando o microbioma do sistema solo-planta.

Tudo isso faz parte do PRS (Programa Regenerando Sistemas) da empresa. Por meio dele, a BiomCrop oferece soluções customizadas e adaptadas às diferentes condições do Brasil. E a ideia, agora, é expandir seu portfólio, por meio da parceria com a Esalq-USP.

Texto e fotos: Pedro Spadoni