EUA e Europa podem ter queda de 40% na produção de alimentos, alertam cientistas
28-07-2025

Estudo inédito aponta que as maiores potências agrícolas do mundo estão entre as mais ameaçadas por perdas severas de produção causadas pelas mudanças climáticas
Por David Vetter
As regiões agrícolas mais produtivas do mundo são as que enfrentam maiores perdas com as mudanças climáticas. Áreas importantes de produção em países ricos podem perder até 40% de sua produção de milho e trigo neste século, aponta um novo estudo abrangente.
Na análise de mais de 12 mil regiões em 55 países, uma equipe de pesquisadores de instituições líderes dos EUA e internacionais constatou que a produção mundial de alimentos pode cair cerca de 120 calorias por pessoa por dia, o equivalente a 4,4% do consumo diário atual, para cada aumento de 1°C na temperatura global.
O estudo, publicado na revista Nature, demonstra que mesmo com a adoção de estratégias chamadas de adaptação climática, as regiões conhecidas como “celeiros do mundo” continuam especialmente vulneráveis e sofrerão reduções substanciais na produção da maioria das principais culturas alimentares. Isso representa uma perspectiva preocupante para a segurança alimentar global.
“Nesse contexto, é quase como se aqueles que têm mais a perder, perdem mais. Nos EUA, muitas vezes se pensa que os impactos das mudanças climáticas são mais sentidos em regiões mais pobres do mundo. Mas observamos o oposto, os agricultores norte-americanos, no centro do país, enfrentam alguns dos maiores riscos para seus rendimentos futuros”, afirmou Andrew Hultgren, professor assistente da Universidade de Illinois e autor principal do estudo.
Esse estudo foi publicado logo após uma pesquisa que demonstrou que o aquecimento global provocou um aumento sem precedentes na severidade das secas ao redor do mundo. Feito por pesquisadores europeus e britânicos e também publicado na Nature, o trabalho indica que um recorde de 30% da superfície terrestre do planeta enfrentou secas moderadas a extremas em 2022, das quais 42% foram atribuídas à demanda evaporativa atmosférica, fenômeno causado pelo aumento das temperaturas médias.
O estudo sobre produção de alimentos expõe um padrão contraintuitivo, regiões agrícolas atuais com clima favorável são especialmente vulneráveis justamente por conta das vantagens que possuem hoje. “As regiões ricas que são celeiros do mundo se beneficiam dos climas muito favoráveis que têm atualmente”, explicou Hultgren. “Elas não enfrentam tanto calor extremo agora, e por isso não estão tão adaptadas a ele.”
Em contraste, agricultores em regiões mais quentes e com menor renda já desenvolveram práticas mais adaptadas ao clima. “Essas regiões de menor renda tendem a estar localizadas em partes mais quentes do planeta”, disse Hultgren. “Elas já lidam com exposições a extremos de calor e, por isso, já se adaptaram a essas condições.”
O impacto em culturas específicas mostra como potências agrícolas atuais podem ser transformadas. A produção de milho enfrenta algumas das perdas mais significativas previstas, com quedas de até 40% em várias regiões-chave, como o cinturão de grãos dos EUA, o leste da China e a Ásia Central. A produção de trigo nas atuais principais regiões produtoras pode cair entre 30% e 40% nos Estados Unidos, Canadá, China e Rússia.
O estudo inova ao examinar como os agricultores realmente se adaptam às mudanças, em vez de apenas usar modelos teóricos. “Por muito tempo, permaneceu uma dúvida sobre quanto os produtores se adaptariam às mudanças climáticas futuras”, afirmou Hultgren. “Descobrimos que a adaptação protege, mas apenas parcialmente, ela mitiga cerca de um terço das perdas futuras de rendimento.”
Embora o arroz pareça ser a única cultura básica que pode escapar de perdas significativas, a perspectiva para as demais culturas é preocupante. As implicações para a segurança alimentar global são complexas e de longo alcance. “Como as regiões mais produtivas do mundo enfrentam as maiores perdas de rendimento, essas perdas puxam para baixo a produção global total em um cenário de aquecimento intenso”, observou Hultgren. “Isso pode resultar em preços mais altos de alimentos em geral e preocupações globais com segurança alimentar.”
Mesmo que regiões de baixa renda estejam mais adaptadas ao calor, ainda enfrentam grandes desafios. A mandioca, cultura de subsistência essencial em muitos países de baixa renda, pode ter perdas de cerca de 40% na África Subsaariana. Como as populações mais pobres do mundo muitas vezes praticam agricultura de subsistência, ou seja, cultivam alimentos para consumo familiar e não para o mercado, essas comunidades podem ter menos capacidade de suportar tais perdas.
Os pesquisadores foram além das projeções agrícolas e calcularam como essas perdas podem influenciar as políticas climáticas por meio do chamado “custo social do carbono”, uma tentativa de atribuir um valor em dólares aos danos causados por cada tonelada de emissões de dióxido de carbono.
Ao calcular quanto as perdas agrícolas futuras custariam à sociedade em termos econômicos, a equipe estimou que os impactos agrícolas, sozinhos, poderiam adicionar de US$ 0,99 a US$ 49,48 ao custo social por tonelada de CO₂, dependendo de diferentes premissas econômicas. Richard Waite, diretor de iniciativas agrícolas do World Resources Institute, explicou por que as descobertas são relevantes.
“A redução nos rendimentos, num mundo com demanda crescente por alimentos, aumenta ainda mais a pressão sobre as florestas remanescentes e outros ecossistemas naturais do planeta. Isso cria um ciclo vicioso de agravamento das mudanças climáticas, que por sua vez aumenta a ameaça à agricultura”, afirmou Waite.
Para ele, os resultados do estudo indicam que as estratégias atuais de adaptação precisam evoluir além das abordagens tradicionais. “No futuro, o mundo precisa desenvolver culturas básicas não apenas para aumentar o rendimento, mas para prosperar em um clima em transformação, como, por exemplo, resistir a temperaturas mais altas ou à maior variabilidade das chuvas”, afirmou.
A nova pesquisa destaca a necessidade urgente de reduzir de forma mais agressiva as emissões e de fortalecer o apoio à adaptação agrícola, falhar em qualquer uma dessas frentes pode resultar em fome generalizada e instabilidade.
“Olhando além dos nossos achados imediatos, isso deve levantar preocupações sobre a segurança alimentar global e a estabilidade política internacional em um futuro de aquecimento acentuado”, diz Hultgren.
Fonte: Forbes