EUA inundam o mundo com etanol barato
08-08-2025

Produto entrou em acordos que Trump fechou com Reino Unido, Japão e Indonésia
Por Camila Souza Ramos — São Paulo
Os preços do etanol nos Estados Unidos despencaram nos últimos dois anos, reflexo do aumento da produção no país e de uma queda na demanda causada pelo avanço dos carros elétricos. Para dar um destino a esse excedente e barrar a queda dos preços, que chega a quase 20% em dois anos, Washington tem inserido o produto — fabricado a partir do milho nos EUA — em acordos comerciais recentes. Também com esse objetivo, o governo Donald Trump decidiu investigar a tarifa de 18% que o Brasil impõe ao etanol de fora do Mercosul.
Na bolsa de Chicago, os contratos futuros de etanol, que são referência para as negociações nos Estados Unidos, despencaram em outubro de 2023 e, mesmo após algumas oscilações, acumulam desde então uma queda de 18,9% em 24 meses, de acordo com o Valor Data.
Em Iowa, importante Estado fabricante dos EUA, os produtores chegaram a enfrentar prejuízo operacional em fevereiro, e até o início de maio, as margens estavam em até US$ 0,20 por galão. Desde outubro de 2023, as margens raramente superaram US$ 0,50 o galão, conforme dados da Universidade do Estado de Iowa.
Entre janeiro e junho, a margem média de produção de etanol nos EUA ficou em US$ 0,08 o galão, abaixo da média histórica, segundo dados da S&P. De acordo com uma análise de Scott Irwin, da Universidade de Illinois, já em 2024 a margem dos produtores dos EUA estava abaixo da média desde 2007, após um período de margens maiores entre 2021 e 2023.
Segundo Jamie Dorner, analista sênior de biocombustíveis da S&P, os preços do etanol nos EUA costumam acompanhar os do milho, que vêm em baixa nos últimos anos. “E a tendência que vemos é que os preços do milho vão continuar caindo e vão ter influência no preço do etanol”, afirmou a especialista.
A produção do biocombustível nos EUA não tem sofrido grandes alterações, mas o mercado consumidor americano de combustíveis de forma geral está mais fraco. Para Plinio Nastari, presidente da consultoria Datagro, o que explica a pressão da oferta no país é o avanço das vendas de caros elétricos.
“A eletrificação está diminuindo o consumo de gasolina. Isso está liberando mais excedente de etanol, porque eles continuam misturando em torno de 10% [do etanol à gasolina]”, disse.
A saída tem sido o mercado externo. Na safra de grãos 2023/24, as exportações de etanol americano subiram 39%, para 1,7 bilhão de barris. Na safra 2024/25, de setembro do ano passado até maio, o volume de etanol embarcado está 18% maior na comparação com o mesmo período do último ciclo, segundo a Associação de Combustíveis Renováveis do país (RFA, na sigla em inglês). Para a S&P, a previsão é que as exportações de etanol dos EUA, que foram recorde em 2024, voltem a crescer neste ano e no próximo.
Mesmo com o crescimento, o setor produtivo americano vem aumentando a pressão para os EUA conquistarem mais mercados. O etanol já foi incluído nos acordos comerciais que Trump firmou com o Reino Unido — para onde os EUA devem exportar 1,4 bilhão de litros ao ano, ocupando todo o mercado britânico —, além de Japão e Indonésia.
Em julho, o lobby do setor fez com que a tarifa que o Brasil aplica sobre o etanol de fora do Mercosul entrasse na investigação aberta pelo Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês).
A alíquota, de 18%, é o que vem garantindo que o etanol americano fique de fora do mercado brasileiro. Segundo a Datagro, o produto dos Estados Unidos chegaria hoje ao Nordeste com preço 4% a 5% acima do valor do etanol anidro enviado por cabotagem do Centro-Sul. Sem a tarifa de 18%, o etanol americano teria uma vantagem de 9%.
Nas contas da agência Argus, o etanol dos EUA chegaria ao porto de Suape (PE) a R$ 3,33 o litro se não pagasse tarifa (já incluído o custo de desembaraço aduaneiro). O valor é menor do que o preço atual do etanol anidro na região, de R$ 3,55 o litro. Com a tarifa vigente, o produto importado dos EUA chegaria a R$ 3,89 o litro.
Mesmo assim, o Brasil já vem aumentando suas importações de etanol neste ano, com compras maiores tanto de etanol de países do Mercosul como dos EUA. De janeiro a julho, o volume importado cresceu 54,7% na comparação com o mesmo período do ano passado, para 170 milhões de litros — enquanto as exportações recuaram 20%, para 915 milhões de litros.
O volume oriundo dos EUA cresceu 20%, mas também estão maiores as importações do Mercosul, que entram sem tarifa. Até julho, o volume que entrou da região subiu 143%, puxado por compras de etanol da Argentina.
Um importante player do ramo de comercialização de combustíveis no Brasil disse ao Valor, sob condição de anonimato, que estima que o país importará 800 milhões de litros de etanol nesta safra 2025/26 (iniciada em abril) por causa do baixo preço do etanol dos Estados Unidos e da queda do dólar, que está barateando ainda mais o produto americano.
Desde o início do ano, houve um aumento dos pedidos e das liberações de licencia de importação de etanol junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), puxadas por pedidos de importação maiores dos Estados Unidos e também do Mercosul.
Fonte: Globo Rural