Ferramenta brasileira RenovaCalc avança na avaliação da pegada de carbono dos combustíveis sustentáveis
27-10-2025
Nova versão amplia matérias-primas e aproxima metodologia nacional dos padrões internacionais, fortalecendo o papel do Brasil na transição energética global
O Brasil avança na consolidação de sua trajetória em biocombustíveis ao atualizar a RenovaCalc, ferramenta oficial usada para calcular a intensidade de carbono dos biocombustíveis produzidos no País, no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio,). O sistema ganhou novos módulos e maior compatibilidade com parâmetros internacionais de avaliação, como os definidos pelo Programa da Organização da Aviação Civil Internacional (Corsia).
A atualização foi apresentada no artigo científico “Advancing RenovaCalc: the Brazilian tool for calculating the carbon intensity of sustainable fuels in alignment with international policies”, publicado no início de 2025 O estudo detalha a ampliação do módulo HEFA (Hydroprocessed Esters and Fatty Acids), usado para estimar a pegada de carbono de combustíveis de aviação sustentáveis (SAF) produzidos a partir de óleos vegetais e gorduras residuais.
As melhorias foram desenvolvidas no escopo do Projeto “Aprimoramento da RenovaCalc”, desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Fundação de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento (Faped) e deverão ser incorporadas à versão pública da ferramenta, após as etapas de validação e consulta pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), previstas até 2026.
“A versão atual da ferramenta considerava principalmente a soja como matéria-prima, mas a nova versão incorporou também o óleo de palma, permitindo análises mais abrangentes e representativas da diversidade agrícola brasileira”, explica a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Marília Folegatti.
O professor Edgar Silveira, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Mecânicas (PPGCM) da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Laboratório de Energia e Ambiente (LEA/UnB), ressalta que o desenvolvimento contínuo da RenovaCalc representa uma consolidação científica e regulatória inédita no país.
Segundo ele, o avanço apresentado no estudo integra um esforço interinstitucional que envolve a UnB, a Embrapa e parceiros do setor produtivo para aprimorar a base metodológica da ferramenta. “Nosso objetivo é garantir que cada aprimoramento esteja alinhado aos referenciais internacionais de sustentabilidade, sem perder a aderência às particularidades da matriz energética brasileira”, afirma o pesquisador.
“Essa atualização aproxima a RenovaCalc das metodologias de avaliação empregadas por agências e organismos internacionais, tornando os resultados comparáveis e fortalecendo a credibilidade dos biocombustíveis brasileiros no mercado global”, destaca a pesquisadora Marília Folegatti.
Para Priscila Sabaini, analista da Embrapa Meio Ambiente, o estudo destaca que a comparação entre as emissões calculadas pela RenovaCalc e os valores de referência do CORSIA mostra forte convergência metodológica, embora ainda exista diferenças regulatórias a serem ajustadas. Entre elas, estão as regras sobre elegibilidade de matérias-primas, critérios de uso e mudança de uso da terra (land-use), contabilização de créditos de carbono e exigências de sustentabilidade socioambiental.
Segundo Giulia Lamas, que também participou do estudo, essa convergência é essencial para assegurar que a produção de combustíveis sustentáveis traga benefícios reais em termos de redução de gases de efeito estufa (GEE), sem gerar impactos colaterais negativos, como o desmatamento ou a pressão sobre áreas agrícolas destinadas à produção de alimentos.
A RenovaCalc é o instrumento que embasa a certificação dos produtores de biocombustíveis na RenovaBio. Ela permite calcular a intensidade de carbono no ciclo de vida do biocombustível — desde o cultivo da matéria-prima até o seu uso — e define o volume de créditos de descarbonização (CBIOs) que cada produtor pode emitir. Essa lógica faz com que o desempenho ambiental se traduza em valor econômico no mercado, incentivando práticas mais sustentáveis.
Gabriela Ciribelli explica que, ao incorporar o módulo HEFA e alinhar suas métricas ao CORSIA, o Brasil abre caminho para a integração de seu sistema nacional às cadeias globais de aviação sustentável, um setor que vem crescendo rapidamente diante das metas de descarbonização impostas pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). O CORSIA, implementado a partir de 2021, exige que as companhias aéreas neutralizem suas emissões adicionais de CO₂, e o uso de combustíveis de aviação sustentáveis (SAF) é uma das principais estratégias para atingir esse objetivo.
A convergência entre a RenovaCalc e o CORSIA também tem potencial de ampliar as oportunidades de exportação para o Brasil, ao permitir que seus combustíveis certificados sejam reconhecidos internacionalmente. Isso significa que biocombustíveis produzidos sob as regras da RenovaBio poderão, com ajustes, atender às exigências do mercado aéreo global — um movimento estratégico para consolidar o país como fornecedor de energia limpa e rastreável.
O artigo ressalta, contudo, que a harmonização completa exige superar desafios regulatórios e metodológicos. Um dos pontos mais sensíveis é a contabilização das mudanças indiretas no uso da terra, que ainda gera divergências entre abordagens nacionais e internacionais. Outro desafio está na definição de créditos de carbono equivalentes entre diferentes sistemas de certificação, para evitar dupla contagem e garantir transparência nos mercados de compensação.
Para os pesquisadores, o avanço da RenovaCalc representa um marco importante na maturidade técnica da RenovaBio, criada em 2017 e reconhecida como uma das políticas de descarbonização mais abrangentes do mundo. A atualização da ferramenta reflete o esforço brasileiro em alinhar inovação científica, regulação e sustentabilidade, ao mesmo tempo em que fortalece a competitividade do setor de bioenergia.
Além do impacto imediato sobre o setor de aviação, as melhorias na metodologia podem beneficiar outros combustíveis renováveis, como o etanol, o biodiesel e o biogás, ampliando o alcance da política e a precisão dos cálculos de emissões. O resultado é uma plataforma mais robusta, capaz de servir como referência não apenas para o Brasil, mas também para outros países em desenvolvimento que buscam integrar-se às normas internacionais de contabilidade de carbono.
Com esses avanços em curso, a RenovaCalc consolida-se como instrumento estratégico na transição energética brasileira, unindo rigor científico, transparência e potencial econômico. Ao aproximar-se dos padrões do CORSIA, o Brasil reforça seu papel de protagonista na agenda global de descarbonização, mostrando que é possível produzir energia sustentável de forma competitiva, rastreável e ambientalmente responsável.
Os autores do estudo são Thiago Gonzales, Giulia Lamas, Gabriela Pompêu, Priscila Sabaini, Rosana Guiducci,Emerson Schultz, Anna Pighinelli, Marilia Folegatti e Edgar Silveira.
Cristina Tordin (13273146)
Fonte: Embrapa Meio Ambiente

