FIAGRO FIDC: como as empresas e cooperativas podem utilizar a ferramenta da melhor forma para o financiamento de insumos?
13-01-2023
Esse artigo tem por objetivo discutir as potenciais vantagens comparativas de uma categoria de Fundos de Investimentos do Agronegócio (FIAGRO), diante de outras alternativas de captação de recursos em operações estruturadas, que possam sustentar o crescimento esperado da agricultura brasileira. Essa pauta é de extrema relevância, especialmente diante do papel vital que o Brasil passou a ter como segundo maior provedor de alimentos ao mercado internacional e como responsável por quase metade da oferta adicional necessária para suprir os mercados de alimentos no futuro.
O Brasil é uma das únicas nações com potencial competitivo e tecnologia para expandir substancialmente a produção de alimentos seguindo a trajetória das últimas décadas. Nos últimos 50 anos, a produtividade média das principais culturas cresceu mais de 200%, com incremento de área inferior a 60%, elevando o país à posição de segundo maior exportador de alimentos do mundo de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Esse crescimento pode dar-se mesmo preservando cerca de 66% do território com vegetação nativa. Além disso, dentro de um universo de mais de 100 milhões de hectares de pastagens degradadas, há ao menos 40 milhões de hectares com alto potencial de recuperação e de produção, segundo dados do Mapa e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), permitindo que o Brasil suporte quase a metade do crescimento da demanda por alimentos até 2050, segundo estudo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
No entanto, suportar esse crescimento em produção envolve capital e, portanto, crédito. O volume de recursos incrementais tende a ultrapassar R$ 40 bilhões por ano para o aumento de dois milhões de hectares anuais de lavouras, considerando os aproximados R$ 20 mil por hectare envolvidos em operações diversas de preparo, correção, fertilidade, aquisição de maquinário e capital de giro, de acordo com informações de produtores, do Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (IMEA) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Esses aproximados R$ 40 bilhões representam incremento anual de aproximadamente 7% do volume atual de recurso em crédito agrícola. Manter esse ritmo de crescimento demanda fundos originados e disponibilizados preponderantemente pela iniciativa privada, seja pelo setor financeiro, seja pelo mercado de capitais, pois o crédito orientado por política pública não tem conseguido manter o passo da demanda. O crédito orientado pelo governo, conhecidos como “recursos cotrolados”, tem crescido a uma taxa de aproximadamente um terço do crescimento dos fundos de mercado, os chamados “recursos livres”, nos últimos anos.
O montante de recursos necessários para financiar a agricultura está estimado em R$ 830 bilhões atualmente. Desse total, 41% estão englobados em diferentes linhas do plano safra, a recursos livres e controlados. Os agentes comerciais, sejam provedores de insumos, comerciantes de produtos, processadores, ou cooperativas, representam aproximadamente 15% to total, principalmente via a modalidade do barter. Outras fontes vindas de agentes privados representam 16% do total, o caixa do produtor é estimado em financiar quase ¼ da necessidade de recursos e o mercado de capitais, ainda tímido, representa cerca de 3%.

Sendo assim, para aproximadamente 52% do montante usado no financiamento da agricultura, ou seja, cerca de R$ 432 bilhões, a busca por fontes de recursos com custos competitivos importa, pois trata-se de fundos a custo de mercado.
O suprimento de recursos para sustentar o crescimento do agronegócio depende de acesso a múltiplas fontes, inclusive o mercado de capitais. Isso tem sido crescente e possível por diversos canais como a emissão de títulos diretamente por empresas que financiam a agricultura, a oferta de cotas em fundos de recebíveis, que tendem a ser veículos eficientes em termos de custos de transação.
Para manter a competitividade e a capacidade de resposta do setor à demanda por alimentos e energia, o agronegócio precisa de acesso a produtos finenceiros de mercado a baixo custo. O custo do crédito com recursos de mercado é resultante de alguns vetores, como:
O perfil de risco do tomador ou da carteira de tomadores sendo financiada
A taxa básica de juros conforme as condições de mercado vigentes
A probabilidade de recuperação de crédito em caso de inadimplência
Os custos de transação envolvidos: custos operacionais, custos de distribuição, e de tributação, conforme a estrutura do produto de crédito usado.
A taxa básica de juros não é uma variável que o agronegócio possa controlar, mas os demais componentes podem ser influenciados pelos produtores e pelos demais agentes na cadeia agrícola.
A redução de custos tributários envolvidos numa operação financeira, a redução dos custos operacionais, o encurtamento logístico entre investidores e os produtores, e a redução do risco das operações tornam o custo do crédito mais competitivo. O aumento de alternativas e da concorrência entre formas e agentes diversos contribui para que redução de custos sejam repassadas aos produtores.
O encurtamento do caminho do dinheiro entre produtores, empresas, cooperativas e os investidores no mercado de capitais pode dar-se através de instrumentos como títulos e fundos de investimento. A redução dos custos de acesso pelo mercado de capitais ao segmento de produção agrícola pode dar-se através da agregação de títulos creditórios, ou recebíveis de carteira comercial, originados por empresa que tem relação com esses produtores como parte do seu negócio. Essa empresa torna-se um agente ancora, ou “sponsor”, no financiamento da cadeia de suprimentos do agronegócio e coordena a transação de crédito, sua documentação, formalização e possivelmente o monitoramento do risco. O valor e o risco dessa carteira passam a ser cotizados através da securitização desse recebíveis.
A agregação em carteira de créditos a produtores numa operação de securitização de recebíveis oferece ainda o benefício ao custo através da potencial redução de riscos por conta da diversificação, ou da fragmentação, da própria carteira. Outro mitigante de risco potencial numa operação estruturada através de carteiras de recebíveis é o a possibilidade de certa dissociação entre do risco associado à capacidade de repagamento do “sponsor”, ou originador dessa carteira, uma vez que a carteira seja repassada a um veículo de investimentos e o credor passa a ter acesso à conversão em caixa dos recebíveis liquidados por diversos produtores, ao invés da expectativa de recebimento de apenas uma empresa. O risco da empresa “sponsor”, que pode ser frágil em alguns casos, passa a ser apenas contingencial. Ainda que a qualidade do “sponsor” seja importante para o sucesso de uma operação de financiamento da cadeia do agronegócio através de um produto a ser colocado entre investidores no mercado de capitais, certa dissociação do risco do “sponsor” auxilia a irrigar a agricultura com fundos adicionais, que de outra forma não seriam aportados bilateralmente, diretamente, em empresas de maior risco.
Diante de todo esse contexto, em 2021, através da Lei 14.130, foi instituído o mecanismo dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (FIAGRO), que tem como principal objetivo aproximar o agronegócio do mercado de capitais e investidores privados, tanto nacionais quanto internacionais, fomentando recursos para a produção. O FIAGRO está enquadrado em três principais modalidades, cada uma delas regulada por diferentes normativas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), são elas:
FIAGRO FIDC: focado em investimentos em direitos creditórios, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Células de Produto Rural (CPR), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e outros títulos de crédito, ativos financeiros e de renda fixa emitidos por pessoas físicas ou jurídicas, que integrem cadeias agroindustriais
FIAGRO FIP: focado em investimentos em participações, como empresas e agtechs, por exemplo
FIAGRO FII: focado em investimentos imobiliários, principalmente voltado para o mercado de terras e demais valores mobiliários que se relacionem as cadeias agroindustriais
O foco desse artigo está na análise de potencial de competitividade de operações de FIAGRO FIDC, com emissão por “sponsor” corporativo, que fica responsável pelas cotas subordinadas do fundo (em garantia, ou “colateral”, por certo nível de perdas por inadimplência) de carteira de recebíveis dos seus produtores. Esse perfil de operação é ilustrado conforme modelo abaixo:

As tabelas abaixo mostram comparativos entre alternativas de produtos de securitização de carteira de recebíveis na estrutura de CRA ou FIAGRO FIDC, conforme algumas premissas chave do diferencial de custo acumulado em dez anos de operações. O CRA foi a opção selecionada para o comparativo devido a representatividade no universo de operações estruturadas para o financiamento do agronegócio nacional. As principais premissas que influenciam a análise são:
Parâmetros de mercado que influenciam nos resultados do estudo
Porte das operações
Periodicidade de emissão (prazo)
Taxa de remuneração do produto (juros das operações)
Nível de subscrição (aceitação da operação pelos investidores):
o CRA: a premissa é de 100% de sucesso no nível de subscrição na distribuição dos papéis em todos os cenários
o FIAGRO FIDC apresenta dois cenários:
Nível de subscrição conservador: primeira emissão apresenta período de maturidade de 3 meses, com 50% de taxa de sucesso na distribuição e 90% de taxa de sucesso no restante do ano safra
Nível de subscrição 100%: total sucesso na distribuição dos papéis
O nível de subscrição é função do apetite do mercado ao risco do “sponsor” e da carteira. Empresas de primeira linha com carteiras de ótimo histórico de desempenho tendem a ter um alto nível de subscrição, com investidores subscrevendo ao menos 100% das cotas propostas.
Parâmetros técnicos que influenciam nos resultados do estudo
CDI: 12,65%
Os custos operacionais permanecem em valor constante no tempo para ambas as operações
Os deltas de 10 anos são apresentados em Valor Presente Líquido (VPL), com Taxa Média de Atratividade (TMA) igual ao perfil de cada operação
Custos:
o Emissão de garantias:
CRA: recebíveis dos produtores + “escrow account”, ou conta de passagem, com cessão fiduciária ao fundo (em se tratando de “sponsors” cujas carteiras têm inadimplência comprovadamente muito baixa)
FIAGRO FIDC: recebíveis dos produtores + colateral do sponsor subjugado ao rendimento e a inadimplência das cotas subordinadas
- Cotas subordinadas: 10% do valor total do fundo
- Rendimento das cotas subordinadas: CDI + 5%
o Operacionais:
CRA: taxas de estruturação, registros, escriturador, assessor jurídico, banco custodiante (emissão), agente fiduciário, auditoria, verificação de destinação de recursos, assembleia, custódia, administração e CVM
FIAGRO FIDC: taxas de administração (implantação e escrituração), distribuição, gestão (estruturação, custódia, controladoria e verificação de lastro), assessor jurídico, assessor financeiro (com fee de performance), agência de rating e taxas dos órgãos competentes para registro (CVM, B3, Anbima)
o Impostos:
CRA: possui incidência de IR e IOF (não incluido na análise)
FIAGRO isento de IR e IOF (para o fundo)
Cooperativas de produção são isentas em ambas as modalidades
Serviços: custo total das operações com valores de contratação de serviços incluem impostos para ambas as modalidades
Base dos dados: benchmarking de mercado elaborado pelos autores com casas de investimento e players do agronegócio
Conforme essas variáveis, a vantagem entre estruturar um FIAGRO FIDC e um CRA se estreita ou se amplia, dado que alguns custos de estruturação são rígidos:

Importante: o perfil de remuneração de produtos de operações estruturadas terá grande variação, a depender das condições de mercado e perfil do player emissor e custodiante dos papeis, fatores que também terão impacto direto no custo final das operações. Os valores da análise são modelagens padrão, com o intuito de mostrar potenciais benefícios que deverão ser aferidos, de fato, via análises profundas do cenário de cada player.
Diante dos resultados das simulações, listamos alguns pontos como cruciais para decisão entre estruturar a securitização de uma carteira de recebíveis como CRA ou como FIAGRO-FIDC:
Quanto mais curta a periodicidade de re-emissão do CRA, maior tende a ser a economia em se utilizar o FIAGRO FIDC
Quanto melhor o nível de subscrição do fundo de investimento, maior a economia a favor do FIAGRO FIDC
Isso resulta principalmente por conta dos custos de emissão de uma nova operação de CRA tenderem a ser maiores, em comparação ao FIAGRO FIDC, principalmente pelo peso da taxa de distribuição, gerando vantagem a CRAs de grandes carteiras e de longo prazo.
No caso do FIAGRO FIDC, a depender do modelo de negócio do “sponsor”, é possível emitir novas cotas seniores, aumentando a alocação e mantendo constantes parte dos custos operacionais, diluindo os custos iniciais.
Nesse sentido, desenhamos uma análise SWOT (Pontos Fortes, Fracos, Oportunidades e Ameaças) sobre a operação do FIAGRO FIDC, para o cenário de operações com perfil compatível ao apresentado nesse artigo:

Parte da redução dos custos de transação permitida por instrumentos como o FIAGRO advém da possibilidade de acesso a uma carteira pulverizada de tomadores (produtores rurais), uma vez que a carteira de recebíveis repassada ao FIAGRO tende a ter sido originada por cooperativas, revendas de insumos agropecuários e negociantes de produtos agrícolas com acesso a uma quantidade razoável de produtores. O acesso direto de investidores a produtores de menor porte, dispersos geograficamente e/ou com atividades diferentes, tende a ser economicamente inviável sem a intermediação de agentes já presentes no campo. Essas empresas já estabelecidas no campo apresentam um bom nível de capilaridade regional e facilitam a logística de captura de informações, avaliação de risco, documentação, monitoramento de risco e cobrança.
Listamos os principais requisitos que julgamos válidos para que uma empresa com carteira de recebíveis tenha maior chance de sucesso em operações no mercado de capitais, especialmente o FIAGRO FIDC, de uma maneira segura e competitiva, gerando de fato economia para si e seus clientes:
Bom nível de governança sobre dados de clientes: cadastro, garantias, perfil de compras, de pagamento e de endividamento
Processos e políticas claras para avaliação e concessão de crédito a clientes
Carteira de recebíveis diversificada, fragmentada e com documentação padronizada
Histórico de recebíveis consistente, com baixo “aging”, baixíssimo nível de provisão e bom nível de recuperação de operações inadimplentes
Documentação dos recebíveis bem formalizada, registrada de forma correta, padronizada e com garantias cobráveis
Construção de um regulamento robusto para o fundo, que suporte a estratégia de negócios do player sponsor e também foque na segurança para o cliente/cooperado
Estudo sobre a estratégia de mercado para o fundo: contratação de parceiros (ex: assessor financeiro, jurídico, auditor), perfil de remuneração do fundo, duração, perfil do agente emissor dos papéis, estratégia de comunicação com o mercado e outros temas
A governança e qualidade de controles são alguns dos principais quesitos para se baratear o custo do dinheiro no mercado de capitais. No mercado americano, por exemplo, a diferença de custo adicional entre bonds com risco baixo e alto apresenta, em média, entre 300 a 400 pontos de base (basis points) de diferença de acordo com dados da revista The Economist. Ou seja, o investimento em qualidade de processos, capacitação técnica, controles, gestão e todos os quesitos correlatos fará diferença em qualquer situação, mas, especialmente para esse perfil de captação, que tenderá a ser cada vez mais presente. Da mesma forma, o investidor escolhe seus produtos de investimento baseado na remuneração do titulo e no nível do risco, que, como citamos, será diretamente proporcional a excelência da administração e solidez de uma organização que faz o papel de sponsor do fundo, bem como, a qualidade da administração da carteira selecionada para o FIAGRO.
Diversas pesquisas trazem revelações a respeito do requisitos para fidelização de clientes. O cenário terá grande variação, a depender da região, nível de renda/tecnificação, indústria e outros requisitos. Mas, de uma maneira macro, dados de um levantamento de 2020 da Review, grupo especializado em experiência do cliente, elege os seguintes aspectos como primordiais para o agronegócio, com base no apontamento da base de entrevistados:
68% dos entrevistados apontaram: qualidade do produto/serviço como primordial para fidelização
65% dos entrevistas apontaram: qualidade do atendimento, antes e após a compra como primordial para fidelização
60% dos entrevistas apontaram: preço dos produtos como primordial para fidelização
Portanto, sabemos que o custo do dinheiro, que influencia diretamente nos preços, não é necessariamente o único fator chave para fidelização de clientes. No entanto, um custo de capital competitivo, possibilita o maior investimento em serviços e em um portfólio de soluções que ajudará a solucionar problemas de maneira mais ampla e robusta e isso sim contribui mais ainda para gerar fidelização e crescimento no mercado.
O conjunto de possibilidades de participação do agronegócio no mercado de capitais é extremamente rico no Brasil, trazendo benefícios para vários elos da cadeia, desde o produtor até os diferentes segmentos corporativos. A participação de fontes de financiamento privadas nas cadeias produtivas tende a continuar aumentando a sua relevância, uma vez que a oferta de crédito subsidiado não tem perspectivas de acompanhar o incremento de necessidade do agro do Brasil.
Acreditamos que o FIAGRO poderá assumir o papel de credencial para a agro do Brasil no mercado de capitais, atraindo investimentos de dentro e fora do país diretamente na produção agropecuária. A nossa estruturação interna ditará o nosso sucesso nessa escalada e o espaço que ocuparemos, se na “plateia geral” ou no “camarote”. É importante que tenhamos em mente que os custos e as oportunidades são bastante diferentes entre essas posições.
E a sua empresa, está preparada para o mercado de capitais?
Autores:
Ana Palazzo
Engenheira agrônoma com background em gestão de projetos e planejamento estratégico no agronegócio
Brasileira admitida como bolsista no programa de mestrado de Assuntos Contemporâneos da China, pela Renmin
Antonio Carlos Ortiz
Engenheiro agrônomo, Mestre em Economia Agrícola, com background em banking e financas para o agronegócio.
Senior Associate ao Centrec Consulting Group, USA, e sócio da Agroschool, Brasil.

