Irrigação por gotejamento é a técnica com maior potencial para alavancar produtividade da cana-de-açúcar
01-09-2022
Tecnologia é a principal aliada na mitigação do estresse hídrico, cada vez mais comum na região Centro-Sul do país
Leonardo Ruiz
Com base nos dados de produção de cana-de-açúcar divulgados anualmente pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), constata-se uma estagnação da produtividade agrícola da cultura na casa das 70 toneladas por hectare (TCH). A última vez em que ultrapassou essa barreira foi na safra 2009/10, quando o Centro-Sul do país registrou 85 TCH de média.
As adversidades climáticas, como secas e geadas, são grandes responsáveis por esse cenário. No entanto, não se pode negar que a lentidão do setor em adotar novas tecnologias também tem auxiliado na manutenção dessa produtividade em baixos patamares.
Pensando nisso, o Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC) criou um experimento cujo objetivo principal é mostrar ao segmento que, sob condições ideais de manejo, a cana-de-açúcar pode produzir muito mais. A “cana gigante” alcança seis metros de altura, possui uma população de 85 mil colmos por hectare e atinge produtividades acima de 300 TCH em cana-planta.
Produtividade da cana-de-açúcar no Centro-Sul nas últimas safras
Fonte: Conab e Unica
Entre os fatores possibilitadores da “cana gigante”, destacam-se o uso de variedades modernas, um rígido controle de pragas, doenças e plantas daninhas, além de um manejo nutricional de ponta. E uma ferramenta chave que se encontra sob esse canavial, enterrada logo abaixo das linhas de cana.
Trata-se da irrigação por gotejamento, uma poderosa tecnologia que permite às usinas e canavicultores mitigar os efeitos adversos decorrente da deficiência hídrica, uma vez que esse sistema entrega as quantidades ideais de recursos hídricos e nutricionais de acordo com as fases da cana-de-açúcar, no momento certo e diretamente na raiz da planta.
“Cana gigante” do IAC alcança seis metros de altura, possui uma população de 85 mil colmos por hectare e atinge produtividades acima de 300 TCH em cana-planta
Foto: Leonardo Ruiz
Na opinião de Daniel Pedroso, Especialista Agronômico da Netafim, empresa pioneira e líder mundial em soluções para irrigação, de todas as modalidades de irrigação, o gotejamento é o mais eficiente no uso dos recursos hídricos; o mais versátil, uma vez que permite aplicação de moléculas químicas e orgânicas e produtos biológicos através dos mesmos equipamentos de injeção de água; e o que mais resulta em aumento de produtividade agrícola.
“Temos exemplos vindos de todas as partes do país. Em São Paulo, existem áreas comerciais caminhando para o oitavo corte com uma produtividade média de 130 TCH. Em Minas Gerais, canaviais de sequeiro saíram de 70 TCH para mais de 180 TCH após a introdução da tecnologia. Já na Paraíba, usinas estão alcançando médias de 112 TCH com o gotejamento contra 57 TCH das áreas de sequeiro.”
Para Daniel Pedroso, de todas as modalidades de irrigação, o gotejamento é o mais eficiente no uso dos recursos hídricos, o mais versátil e o que mais resulta em aumento de produtividade agrícola
Foto: Divulgação Netafim
Lembrando que a experiência da Netafim em irrigação é fruto da vivência com a escassez hídrica em seu país de origem, Israel, onde os avanços em irrigação transformaram desertos em lavouras altamente produtivas. Na cana-de-açúcar, os benefícios da tecnologia de irrigação por gotejamento da companhia vão muito além do incremento de produtividade. Também incluem aumento da longevidade do canavial; estabilidade na produção; ampliação da cogeração de energia; diminuição dos gastos com CTT (Corte, Transbordo e Transporte); melhor pontuação no Renovabio; maior geração de Créditos de Descarbonização (CBIOs); melhor eficiência no uso da água e menor dependência do clima.
Atualmente, a empresa oferece duas modalidades tecnológicas de gotejo para cana-de-açúcar. Em canaviais comerciais, é recomendada a irrigação por gotejamento subterrânea. Já em viveiros (Cantosi ou Meiosi), é possível instalar tubos gotejadores de forma superficial e movê-los para novas áreas sempre que necessário. Ambas as soluções podem ser instaladas de pequenos a grandes canaviais.
Sob manejo de sequeiro, canavial dificilmente alcançará os três dígitos de produtividade
Produzir cana-de-açúcar passou a ser um desafio para os produtores e usinas do Centro-Sul do país. Nos últimos anos, a região tem sido bastante afetada por fenômenos climáticos adversos. Entre os principais, destacam-se as estiagens, cada vez severas e frequentes. Esse déficit hídrico afeta vários aspectos da cultura. O grau dos danos dependerá do estágio fenológico do canavial no momento do estresse e de sua duração e intensidade.
A Pesquisadora Científica do Centro de Biossistemas Agrícolas e Pós-colheita e Vice-Diretora Geral do Instituto Agronômico (IAC), Regina Célia de Matos Pires, explica que, quando a cana-de-açúcar enfrenta um déficit hídrico acentuado, ocorre o fechamento dos estômatos, estruturas que garantem a realização de trocas gasosas. “Esse processo reduz a saída de água e impede a entrada de dióxido de carbono (CO2), diminuindo a capacidade da planta em fazer fotossíntese e, consequentemente, impactando seu crescimento e desenvolvimento.”
Regina Célia de Matos Pires: “O estresse hídrico é um fator limitante para a produtividade agrícola”
Foto: Arquivo pessoal
Segundo Regina, no momento de formação do canavial, o déficit hídrico pode reduzir a emissão de novos perfilhos e o alongamento dos colmos. Casos de estresses muito severos podem, inclusive, levar à morte das plantas. Canaviais já estabelecidos e que passam por períodos de seca prolongados terão seus entrenós encurtados e quedas expressivas na produção. “Diante de tantos danos, podemos afirmar que o estresse hídrico é um fator limitante para a produtividade agrícola. Por conta disso, canaviais de sequeiro dificilmente ultrapassam as 100 TCH.”
A pesquisadora relata que, sob condições ideais de manejo e sem a interferência de fatores bióticos (insetos e microrganismos) e abióticos (temperatura, irradiação e deficiência hídrica), a cana-de-açúcar tem potencial para atingir 400 TCH. “Alcançar esse volume em uma área comercial é uma tarefa quase impossível. Mas, de todas as tecnologias disponíveis no mercado, a irrigação é a que mais nos permite uma aproximação desse potencial. Já visitei canaviais comerciais irrigados com produtividades muito acima das 200 TCH.”
Canaviais comerciais irrigados por gotejamento chegam a atingir produtividades acima das 200 TCH
Foto: Divulgação Bevap Bioenergia
Regina salienta que esse aporte de água propicia segurança na produção. Porém, durante o manejo da cultura, é importante pensar em um sistema de produção irrigado como um todo. “Não podemos deixar de adotar boas práticas agronômicas, como nutrição e a alocação correta de variedades, pois são esses fatores que possibilitarão que um canavial livre de estresse hídrico expresse todo seu potencial produtivo.”
Investimentos em irrigação têm crescido, mas falta de apoio governamental impede maior adoção
A área cultivada com cana-de-açúcar no Brasil, na safra 2022/23, está estimada em 8,1 milhões de hectares, segundo dados da Conab. No entanto, a área irrigada corresponde a menos de 10% desse montante, aproximadamente 750 mil hectares.
Um dos motivos que podem ser apontados é uma antiga crença de que a irrigação é essencial apenas para produção de cana no Nordeste, devido ao baixo regime pluviométrico. Mas com base no balanço hídrico das principais regiões produtoras do Centro-Sul nos últimos anos, é possível observar que as condições climáticas locais também não têm sido muito favoráveis à cultura. Um dos maiores exemplos é o ano de 2021, quando uma severa estiagem assolou grande parte do Centro-Sul, dizimando canaviais e reduzindo a produtividade da maioria das áreas em, no mínimo, 25%.
Aumento das crises hídricas colocou a irrigação no radar de diversas companhias sucroenergéticas do Centro-Sul
Foto: Divulgação Netafim
Esse cenário tem colocado a irrigação no radar de diversas companhias sucroenergéticas da região e deve ser o foco do setor para os próximos anos. É o que afirma o consultor de meio ambiente e recursos hídricos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) e gestor do Grupo de Irrigação e Fertirrigação de Cana-de-Açúcar (GIFC), André Elia Neto.
Segundo ele, a irrigação em cana-de-açúcar sempre se desenvolveu melhor no Nordeste, em função das baixas produtividades da cultura sob manejo de sequeiro. “A tecnologia é o que dá segurança e sustentabilidade ao negócio na região, muitas vezes dobrando ou triplicando a produção em locais de alto déficit hídrico.”
Já no Centro-Sul, a irrigação era majoritariamente utilizada para “salvamento”. Pequenas lâminas (30mm a 60 mm) aplicadas em épocas críticas visando favorecer a rebrota da cana após o corte e, dessa forma, garantir o estabelecimento do canavial com boa população de plantas para o ciclo seguinte. “Todavia, com o aumento das crises hídricas, produtores e usinas da região passaram a perceber que a irrigação pode ser um trunfo para mitigar esses riscos e garantir maiores produtividades.”
André Elia Neto: “Não existe fomento governamental que incentive a prática. Pelo contrário, a irrigação ainda é vista com preconceito”
Foto: Arquivo pessoal
Essa nova percepção tem ampliado o uso da irrigação ao longo das últimas safras. Porém, uma maior adoção ainda esbarra em certos entraves, como a falta de apoio do governo. “Não existe fomento governamental que incentive a prática. Pelo contrário, a irrigação ainda é vista com preconceito e não como um instrumento que pode melhorar a segurança do país na produção de alimentos, fibra e energia limpa”, observa Elia Neto.
O consultor ressalta que o código florestal brasileiro prevê que a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente (APP) para a criação de barragens somente será permitida em casos de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental. Abastecimento da população e produção de energia elétrica são os dois principais exemplos. “Nesses casos, é possível fazer a remoção de parte da vegetação, desde que com a devida compensação, para realização de barramentos. Já no caso da irrigação, tudo é mais complicado.”
Processo de liberação para construção de barragens para irrigação é lento e burocrático
Foto: Divulgação Coruripe
Ele explica que as barragens para irrigação, desde que devidamente regulamentadas, não impactam na disponibilidade geral do recurso. Pelo contrário. Muitas vezes, essas estruturas irão regularizar o fluxo de água para as comunidades próximas. Lembrando que as barragens para irrigação armazenam, em última análise, águas de chuvas, que de outro modo fluiriam para o mar. “O licenciamento altamente burocrático e a dificuldade em obter outorgas acabam afastando possíveis adeptos do sistema, que através da verticalização da produção poderia estar contribuindo para uma maior produção sem que seja necessária a abertura de novas áreas.”
Fonte: CanaOnline

