Lideranças do agro cobram reação do governo e alertam para colapso econômico em 2026
17-10-2025

Endividamento recorde, tarifas externas e falta de crédito rural acendem alerta em evento do LIDE Agronegócio, que reuniu lideranças do setor na capital paulista

O Seminário LIDE Agronegócio, realizado nesta quinta-feira (16) na Casa LIDE, em São Paulo - SP, expôs de forma contundente o cenário de fragilidade financeira que atinge o campo brasileiro. O tom de preocupação substituiu o otimismo que tradicionalmente marca o evento. Lideranças de peso do setor agroindustrial alertaram para o endividamento recorde dos produtores, o colapso no crédito rural e a ausência de políticas comerciais e industriais consistentes, apontando 2026 como um ano de produtividade alta, porém de rentabilidade em queda.

“Há uma indústria de recuperação judicial se formando no agro”, afirmou Gustavo Spadotti, chefe-geral da Embrapa Territorial, ao descrever o desequilíbrio financeiro que afeta o setor. Segundo ele, a combinação de câmbio volátil, juros elevados e insumos dolarizados estrangula o produtor. “Quem comprou fertilizantes com o dólar a R$ 6,20 está enrascado. As margens sumiram e o câmbio enlouqueceu”.

Spadotti também criticou o apagão logístico que ameaça o escoamento da próxima safra, projetada em 85 milhões de hectares de grãos. “Os armazéns estão lotados, subdimensionados. Falta estrutura portuária e planejamento logístico. O Brasil cresce em produtividade, mas com rentabilidade e infraestrutura em colapso”.

A tensão também veio do cenário internacional. O tarifácio imposto pelos Estados Unidos foi apontado como fator decisivo na queda das exportações de proteína e café. “Com 76% de tarifa, é inviável exportar carne bovina”, afirmou Roberto Perosa, presidente da ABIEC. Marcos Matos, CEO do CECAFÉ, relatou que as exportações de café despencaram mais de 50%. “Perdemos espaço para Alemanha e Itália. O café virou instrumento político americano”, disse.

O conselheiro da Caramuru Alimentos, César de Sousa, foi enfático ao criticar a inércia diplomática do governo brasileiro. “O mundo negocia. China, Índia e Japão avançam em acordos, enquanto o Brasil prefere discursar. País não tem amigo, tem interesse”, afirmou.

Para o presidente da FIEG e do LIDE Goiás, André Rocha, o Brasil ainda se comporta como colônia agrícola. “Exportamos soja e importamos óleo refinado chinês. Mandamos proteína e água para a China, que devolve o produto industrializado. Isso é uma vergonha”, disse. Ele também alertou para a dependência de fertilizantes russos e ucranianos e classificou como “burrice monumental” a tentativa do governo de tributar LCAs e CRAs, instrumentos fundamentais de crédito rural.

A diretora-executiva da ABAG, Gislaine Balbinotti, trouxe o lado mais humano da crise. “Há produtores que não conseguem renegociar dívidas e acabam tirando a própria vida. É um problema silencioso”, lamentou, citando o aumento de suicídios no Rio Grande do Sul. Para ela, o país precisa de políticas estruturais de crédito e apoio psicológico no campo, além de investimentos em conectividade e inclusão feminina no agronegócio.

A pauta ambiental também esteve em foco, impulsionada pela proximidade da COP 30, em Belém. A diretora técnica do CEBDS, Alessandra Fajardo, afirmou que a transição verde do agro brasileiro exige R$ 100 bilhões em financiamento. “As tecnologias sustentáveis já existem, mas o produtor não tem dinheiro para adotá-las. O problema é financeiro, não técnico”, explicou. Ela defendeu o pagamento por serviços ambientais (PSA) como forma de remunerar quem preserva.

Spadotti reforçou que o Brasil deve levar à COP 30 um compromisso global de equilíbrio entre produção e preservação. “Nenhum país cultiva metade do território e preserva a outra metade. O Brasil é o benchmark mundial em sustentabilidade rural”, afirmou.

Encerrando o evento, o presidente da APROBIO, Erasmo Carlos Battistella, buscou restabelecer o otimismo. “Os biocombustíveis são a âncora de rentabilidade do agro. Sem etanol e biodiesel, boa parte da produção de grãos estaria no vermelho”, disse. Ele celebrou o avanço do programa Combustível do Futuro, que eleva a mistura de etanol na gasolina para 30% e de biodiesel no diesel para 15%.

O head do LIDE Agronegócios, Francisco Matturro, encerrou o seminário com um apelo à transformação produtiva. “O Brasil precisa deixar de ser celeiro e se tornar indústria. Desafio é sinônimo de oportunidade — e o agro continua sendo a espinha dorsal deste país.”

O encontro consolidou uma mensagem clara: o agronegócio brasileiro entra em 2026 pressionado por dívidas, tarifas e custos elevados, mas ainda movido por resiliência e protagonismo. Um setor que, mesmo em crise, continua sustentando o país — ainda que o país insista em esquecer disso.

Andréia Vital com informações do LIDE