Literatura, agro e cultura se encontram na 24ª Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto
26-08-2025

Evento reuniu lideranças empresariais, políticas e culturais em debate sobre identidade, sustentabilidade e a importância de integrar o campo e a cidade

Por Andréia Vital

A 24ª Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto sediou na última sexta-feira (22), na Biblioteca Sinhá Junqueira, a mesa “Raízes que Escrevem o Futuro – Agro, Cultura e Conhecimento”, que contou com a presença do patrono da edição, Hugo Cagno Filho, e convidados de destaque do setor público, privado e da sociedade civil. O encontro propôs uma reflexão sobre como as experiências do universo do agronegócio influenciam a literatura, a identidade e a construção dos territórios. Entre os temas discutidos estiveram o papel da educação, as políticas públicas, o financiamento cultural, a sustentabilidade e a integração entre campo e cidade.

 

O vice-presidente da associação De Olho no Material Escolar, Henrique Lago da Silveira, chamou atenção para os desafios da aprendizagem no Brasil. Segundo ele, apenas 27% dos estudantes alcançam desempenho adequado em matemática nas avaliações internacionais, e apenas 12% conseguem realizar operações básicas de três algoritmos. Lago destacou iniciativas como o programa Educa Município, que orienta gestores públicos na alocação eficiente de recursos, e defendeu políticas públicas que ampliem a qualidade científica, hoje limitada a 3,47%. “Nosso desafio é aumentar a aprendizagem real do aluno brasileiro, e isso exige mudanças estruturais na educação”, afirmou.

 

Já o prefeito de Ribeirão Preto, Ricardo Silva, reforçou o caráter cultural da feira e anunciou avanços em duas frentes: a ampliação do programa Vale Livro, que garantirá a todos os alunos da rede pública municipal acesso a obras literárias a partir de 2026, e o investimento em biometano para abastecer prédios públicos e, futuramente, a frota de ônibus da cidade. Inspirado no modelo de Bogotá, Silva destacou a possibilidade de Ribeirão Preto se tornar pioneira mundial na adoção do combustível 100% renovável derivado da cana. “É uma revolução no transporte público que conecta o agro à vida urbana”, disse, ressaltando que a população precisa se orgulhar da vocação energética da região.

 

O empresário Maurílio Biagi defendeu a comunicação como ferramenta estratégica para reduzir a desinformação sobre o setor sucroenergético e relatou como, em 1989, a manipulação de informações sobre estoques de etanol gerou percepções equivocadas que persistem até hoje. Ele também citou a recente mudança de estratégia do município quanto à compra de ônibus elétricos, visando veículos mais sustentáveis, atribuída a um artigo de sua autoria. “A comunicação é tudo. Ela muda decisões e realidades”, afirmou.

 

A presidente do CEISE Br, Rosana Amadeu, ressaltou a importância da cadeia da bioenergia para o desenvolvimento econômico e cultural da região, destacando a integração entre agro, indústria, academia e comércio. Ao relembrar sua trajetória desde a infância na Usina São Martinho até a liderança empresarial, ela citou a influência da literatura infantil, em especial de Monteiro Lobato, na formação de valores e comportamentos. “Através dos livros aprendemos a nos localizar no tempo e no espaço. Hoje, unimos diferentes setores para fazer história”, disse.

A jornalista Luciana Paiva, editora da CanaOnline e moderadora da mesa, trouxe à tona a baixa representatividade feminina no setor bioenergético, onde as mulheres são apenas 20% da força de trabalho, mas comparou-as à “gema da cana”, essencial para a renovação do canavial. Ela relatou projetos de comunicação que desenvolveu desde 1997, como o livro O Mundo do Caninha e a revista em quadrinhos Turma do Caninho, distribuídos em escolas e comunidades.

Com mais de 60 mil exemplares entregues até 2019, os projetos aproximaram o setor da população e devem ser retomados em 2026. Luciana defendeu a criação de um espaço permanente de interação entre usinas e comunidade, com foco em sustentabilidade e educação.

 

O patrono da edição, Hugo Cagno Filho, ressaltou sua atuação como incentivador cultural destacando investimentos próprios em instituições como a Orquestra Sinfônica da cidade, a Academia Livre de Música e Artes (Alma), o Museu da Cultura da Cana, programas como a equoterapia em Pontal – SP e o Hospital do Câncer de Ribeirão Preto, o qual é fundador.

O empresário defendeu a necessidade de mudar a lógica de patrocínios no país, criticando a destinação de recursos a shows, festas e esportes que, segundo ele, beneficiam apenas a visibilidade e o ego de alguns. “Não é dinheiro bem aplicado. O que transforma a sociedade é o apoio à cultura, à educação e à saúde”, disse, reforçando sua atuação em conselhos de instituições como a Fiesp e a UNICA, de onde busca ampliar a conscientização empresarial sobre o tema.

Cagno ainda ressaltou que a transformação social não deve depender exclusivamente do Estado. Para ele, o setor privado tem papel fundamental na construção de um Brasil mais justo. “Nós não precisamos de governo para fazer este país, precisamos fazer sozinhos, com responsabilidade e visão coletiva”, afirmou.

 

Também presente, Iza Barbosa, diretora da TerraGrata Consultoria em Sustentabilidade e Responsabilidade Social, defendeu maior clareza na comunicação com empresários para ampliar o volume de patrocínios culturais. Segundo ela, muitas empresas ainda não compreendem os benefícios de longo prazo da cultura e da educação, e acabam destinando recursos a ações de menor impacto social. “É vital canalizar esses recursos para a cultura e sensibilizar quem decide os orçamentos”, disse, reforçando que o apoio deve ser tratado como pilar da sustentabilidade corporativa.

 

Por fim, Dulce Neves, da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto e da Academia Livre de Música e Artes (Alma), destacou que projetos culturais e educacionais não avançam sem o apoio da iniciativa privada. Ela lembrou que iniciativas como a Feira do Livro, a Orquestra Sinfônica, a Alma e até o Hospital do Câncer podem se beneficiar das leis de incentivo, como a Rouanet e o ICMS. “É impossível pensar em desenvolvimento da cultura sem patrocínio. As parcerias são fundamentais”, concluiu.