Mesmo em ano chuvoso, produtores devem investir em irrigação para não ficar reféns do clima
22-09-2023
Análises para esse tipo de investimento devem considerar, no mínimo, o histórico dos últimos 20 anos. Olhar apenas para 2023 é um erro crasso que pode custar caro no futuro
Por Leonardo Ruiz
2023 vem se apresentando como um ano bastante favorável do ponto de vista climático. Até meados de junho, a grande maioria das regiões canavieiras do Centro-Sul do país registrou chuvas bem distribuídas e acima das médias históricas. Com a chegada do inverno, o clima ficou mais seco, mas sem a ocorrência de geadas. Setembro chegou e trouxe consigo o retorno das chuvas, mais cedo do que o previsto inicialmente. Esse panorama representa um alívio para as empresas do setor, que vinham enfrentando safras consecutivas com quebras na produção por conta da ocorrência de fenômenos climáticos adversos.
Dados do segundo levantamento da safra 2023/24 de cana-de-açúcar da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) apontam para um aumento de 7,3% na produção de cana-de-açúcar no Centro-Sul, quando comparada à 2022/23. A estimativa é que a moagem na principal região produtora do país alcance 590 milhões de toneladas contra 550 mi/ton do ciclo anterior.
Segundo a entidade, esse crescimento ocorrerá mesmo com uma redução da área cultivada, evidenciando ainda mais os reflexos positivos da melhoria das condições climáticas na produtividade agrícola dos canaviais. A previsão é de um TCH médio de 80,3 ton/ha no Centro-Sul, alta de 7,7% na comparação direta com 2022/23.
Há um temor de que a boa pluviosidade deste ano possa levar a uma interrupção de ampliações e/ou novos projetos de irrigação
Foto: Banco de dados internet
Como afirmado anteriormente, as intempéries registradas nos últimos anos, especialmente as estiagens, foram as grandes responsáveis pela estagnação da produtividade agrícola dos canaviais em baixos patamares. 2021 é o mais claro exemplo. A pior seca dos últimos 90 anos dizimou canaviais, resultando em quebras de safra de 20% a 30% na maioria das propriedades agrícolas.
Na época, apenas as empresas que haviam investido em irrigação conseguiram manter praticamente intacta suas produções. Consequentemente, o que antes era um movimento tímido, se tornou uma “corrida”, com inúmeros players entrando de cabeça nessa tecnologia, elevando o número de novos projetos a níveis recordes.
No entanto, há um temor crescente de que a boa pluviosidade deste ano possa apagar da mente dos profissionais do setor os prejuízos que podem ser causados pela falta e/ou má distribuição das chuvas, levando a uma interrupção de ampliações e/ou novos projetos de irrigação.
Maximiliano Salles Scarpari: “Segmento canavieiro possui uma espécie de “memória curta”, ou seja, quando a situação entra num determinado eixo, os problemas do passado são rapidamente esquecidos”
Foto: Leonardo Ruiz
O pesquisador do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC), Maximiliano Salles Scarpari, afirma que, infelizmente, o segmento canavieiro possui uma espécie de “memória curta”, ou seja, quando a situação entra num determinado eixo, os problemas do passado são rapidamente esquecidos. “Os investimentos em irrigação estão numa crescente, fruto de anos seguidos de problemas com a seca. Porém, as boas condições climáticas deste ano devem reduzir esses números.”
O pesquisador alerta que esse erro não pode ser cometido, pois um investimento como esse deve tomar como base todo o histórico da área, e não apenas um único ano. “Não é porque tivemos um ciclo positivo do ponto de vista climático que todos os seguintes seguirão da mesma forma. Se analisarmos os dados de precipitação dos últimos 25 anos fica claro uma queda no regime de chuvas. Dessa forma, a irrigação se apresenta como a melhor ferramenta para mitigar o déficit hídrico e, consequentemente, não nos deixar reféns do clima.”
Mesmo com delta de produtividade menor, irrigação por gotejamento em 2023 segue recomendada, seja como uma proteção contra estiagens futuras ou por seus outros inúmeros benefícios imediatos
Em função do aumento de produtividade agrícola proporcionado pela melhoria das condições climáticas desta safra, o delta de produtividade entre as áreas irrigadas e os canaviais de sequeiro diminuiu. Em anos normais, essa diferença pode chegar a 70 ton/ha. Em 2023, o número figura na casa das 30 ton/ha.
O especialista agronômico da Netafim, Daniel Pedroso, salienta que a principal função da irrigação tecnificada é mitigar o estresse hídrico. Como este ano o déficit foi menor, a queda desse delta é natural. “Já ouvi alguns produtores falando que não precisavam de irrigação este ano porque as chuvas contribuíram para o bom desenvolvimento dos canaviais. Mas, o que eles esquecem, é que um projeto de irrigação por gotejamento não dura apenas dois ou três anos, ele é concebido para, pelo menos, uma década.”
Daniel Pedroso: “Um projeto de irrigação por gotejamento não dura apenas dois ou três anos, ele é concebido para, pelo menos, uma década”
Foto: Divulgação Netafim
De acordo com ele, a irrigação tecnificada funciona como uma espécie de seguro climático, pois com ela, produtores e usinas não ficarão mais dependentes do clima para a conquista de boas produtividades. “Este ano está chuvoso. Mas, e os próximos? Quem garante que também serão?”, questiona Pedroso. “Aqueles que ainda não adotaram essa ferramenta devem aproveitar o excelente momento vivido pelo setor, seja pelo aumento na produção ou pelos bons preços do mercado, para investir na tecnologia, pois inevitavelmente teremos safras mais secas no futuro.”
Além de garantir uma boa produtividade em períodos de estiagem prolongada, a irrigação por gotejamento proporciona inúmeros benefícios imediatos, como uniformidade da produção ao longo de toda a safra, possibilidade de aplicação de moléculas químicas e orgânicas e produtos biológicos através dos mesmos equipamentos de injeção de água, maior eficiência no uso da água, elevação da cogeração de energia, diminuição da necessidade de ampliação de área ou novos arrendamentos e melhoria da pontuação no RenovaBio pela redução da pegada de carbono envolvida na operação.
Irrigação está sendo vital para sustentar a produtividade dos piores ambientes neste final de safra
A forte onda de calor que atinge grande parte do país neste final de inverno e início de primavera pode impactar negativamente a produção dos canaviais de ambientes E e D neste final de safra. Nesses solos, geralmente do tipo areia quartzosa, há baixa capacidade de armazenamento. Dessa forma, mesmo as chuvas abundantes do início do ciclo não serão capazes de manter alta a produtividade dessas áreas, que começaram a sofrer quando a pluviosidade cessou no meio do ano.
Onda de calor no Brasil impactará canaviais de ambientes E e D neste final de safra
Foto: ClimaTempo
O pesquisador do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC), Maximiliano Salles Scarpari, explica que a irrigação tecnificada é a melhor ferramenta para dar sustentação a produtividade desses canaviais. “No final da safra, ocorre uma diminuição do fotoperíodo. Com isso, o ganho em TCH (toneladas de cana por hectare) não é muito grande. Para evitar uma queda nos volumes já acumulados, é essencial entrar com a irrigação.”
Para o pesquisador, a irrigação no Centro-Sul já deve ser considerada como uma ferramenta essencial para a perenidade do negócio, uma vez que o clima vem se apresentando como o grande vilão da atualidade. “No plantio, a irrigação é interessante para dar melhores condições de brotação. Se plantou em fevereiro ou março e secou de repente, a tecnologia auxiliará no desenvolvimento do canavial. No meio de safra, ela atuará na melhoria da concentração de açúcar, enquanto no final, sustentará a produtividade já acumulada. Enfim, o Retorno Sobre Investimento (ROI) é altamente atrativo, fazendo com que a tecnologia se torne preponderante para aqueles que buscam produzir, independente das condições climáticas, cana-de-açúcar com excelência.”
Fonte: CanaOnline

