Na cana será difícil a recuperação da produção
24-08-2022

Boletim Cana30: resumo de junho/julho e os pontos selecionados para agosto

Seguem nossas reflexões dos fatos e números da cana em julho/agosto e o que acompanhar em setembro. Na cana, em relação ao progresso da moagem na região Centro-Sul, desde o início da safra 2022/23, em 1° de abril, até o final do mês de julho, 282,8 milhões de t de cana foram processadas, 7,4% a menos do que no mesmo período do ciclo passado (eram 305,5 milhões de t); resultado do atraso no início das operações industriais neste ciclo.

Em relação ao rendimento industrial, o mix está em 44,4% para o açúcar e 55,6% para o etanol (há um ano era de 46,1% para açúcar e 53,9% para o etanol). A qualidade da matéria-prima também segue abaixo do último ciclo, com 133,56 kg de ATR/t de cana, 2,4% menor.

Está cada vez mais se tornando consenso no setor de que não será possível recuperar o ritmo industrial nos níveis da safra passada. Como resultado, a tendência é que os volumes produzidos de açúcar e etanol fiquem abaixo do esperado, deixando estoques ainda mais apertados, o que impacta nas negociações e preços.

No mercado de CBios, até o dia 8 de agosto, já haviam sido negociados 24,96 milhões de créditos de descarbonização na bolsa brasileira (B3), 69% da meta obrigatória estabelecida para o ano de 2022.

Com a prorrogação nos prazos para cumprimento das metas de aquisição dos créditos de descarbonização (CBios) por parte das distribuidoras, os preços dos títulos caíram pela metade na segunda quinzena de agosto, de R$ 200,00 para R$ 93,00, segundo informado pelo Itaú BBA. A medida está relacionada à tentativa de reduzir os preços dos combustíveis ao consumidor final, uma vez que as distribuidoras repassam o custo dos CBios na composição dos preços. Com isso, os créditos de descarbonização devem sustentar preços mais confortáveis neste e no próximo ano, com a previsão de balanço positivo entre oferta e demanda.

Outro ponto de destaque apontado pela Archer Consulting é a questão de revisão nos orçamentos das empresas do setor, que tinham preços médios de venda do etanol estimados em R$ 4,00 por litro e agora terão de reduzir para R$ 3,00 por litro (- 25% de receitas) com os impactos da redução no preço da gasolina; política do governo. Para o 1° trimestre de 2023, a B3 negocia o etanol em R$ 2,860 por litro.

A BP Bunge, em parceria com a fintech Monkey, está lançando uma plataforma de antecipação de recebíveis aos fornecedores de serviços e materiais de suas 11 usinas de cana-de-açúcar. O sistema usa o conceito de leilão reverso e permitirá aos fornecedores solicitar antecipação do pagamento de notas dos bens ou serviços comercializados junto às instituições financeiras participantes. Processo ganha transparência e eficiência!

No açúcar, consequência do menor processamento da matéria-prima, a produção de açúcar também segue inferior a safra passada, em 13,0%, com 15,97 milhões de t do adoçante até o momento, contra 18,37 no mesmo período de 2021/22. Na segunda quinzena de julho, por outro lado, a produção do adoçante cresceu 8,4%: foram 3,3 milhões de t. Para cada t de cana estão sendo produzidos 56,49 kg de açúcar (-6,1%).

Os preços futuros do adoçante na bolsa de Nova York com vencimento para out/22 vêm em tendência de queda desde o pico alcançado em 18 de julho. De lá para cá, o preço equivalente caiu de R$ 2.400 por t para R$ 2.150, uma queda de aproximadamente 10%, e a expectativa não é tão favorável para as próximas semanas. O mercado atribui parte desse declínio à mudança na tributação dos combustíveis para redução dos preços finais ao consumidor, causando um desbalanço no setor sucroenergético brasileiro. Continuamos a acompanhar de perto como o imbróglio dos combustíveis pode gerar impactos no mercado de açúcar.

Em julho, as exportações de açúcar somaram 2,87 milhões de t, o que representa um crescimento de 16,3% frente ao mesmo período de 2021. No montante financeiro, o adoçante somou receita de US$ 1,13 bilhão, um incrível incremento de 37,5%.

No etanol, a produção cresceu nos últimos 15 dias de julho, com oferta de 2,41 bilhões de litros, 2,8% a mais. No acumulado da safra, estamos com produção total de 13,65 bilhões de litros contra 14,24 bilhões de litros do período anterior (- 4,2%). Desse total, 5,17 bilhões de litros correspondem ao anidro e 8,48 ao hidratado, retração de 2,2% e 5,3%, respectivamente. Ainda sobre o rendimento industrial, a produtividade segue em 43,6 litros do biocombustível para cada t de cana-de-açúcar, 0,7% acima.

No etanol de milho, os números seguem impressionando, demonstrando o rápido crescimento do setor. A produção de biocombustível foi de 191,51 milhões de litros na última quinzena de julho, 13% maior do que no igual período de 2021/22. No acumulado, já ofertamos 1,33 bilhão de litros, 29,6% a mais.

Em julho, as usinas do Centro-Sul venderam 2,48 bilhões de litros de etanol, 6,6% a menos que 2021/22. Foram 1,39 bilhão de litros do hidratado (-7,6%) e 937,1 milhões de litros do anidro (- 3,2%). No total, 9,5 bilhões de litros do etanol já foram comercializados, sendo 5,7 bilhões de litros do hidratado (- 9,0%), 96% para o mercado interno; e 3,78 bilhões de litros do anidro ( 7,3%), sendo 88,6% vendidos nacionalmente.

Os embarques de etanol para o mês de julho também registraram incremento de 27,3% frente ao mesmo mês de 2021, totalizando montante financeiro de US$ 144,16 milhões. E fechando a análise do etanol, os preços do Indicador Semanal do Hidratado em São Paulo (Cepea/Esalq) em mais um mês indicam a tendência de queda: em abril, os preços fecharam o mês com média de R$ 3,627/l; em julho, fechamos com R$ 2,934/l, quase 20% menor; e em agosto, até o dia 18, a média já estava em R$ 2,834/l. Na data de conclusão da nossa coluna, o preço do litro do hidratado ficou cotado em R$ 2,590. Vamos ver se estas baixas refletem no consumo interno neste próximo mês!

Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em setembro na cadeia da cana:

1. Seguir acompanhando a evolução no processamento da cana-de-açúcar na região Centro-Sul. Conforme observamos, ao longo do nosso texto, é bem provável que o ritmo não seja recuperado aos níveis da safra passada, o que já tem impactado nos preços. Vamos seguir acompanhando, mas acreditamos que o ritmo deve seguir com leve melhora nos próximos meses.

2. Consumo interno de combustíveis, especialmente do etanol. Mesmo com a baixa de preços observada (o que é negativo para as usinas), as vendas do biocombustível seguem abaixo de 2021, quando ainda sentíamos os impactos da pandemia no consumo. Com a redução nos preços da gasolina, é essencial acompanhar agora o comportamento do consumidor, extraindo possíveis impactos.

3. Ocorrências a nível global (tensões e conflitos) interferindo nos preços de energia, especialmente do petróleo. Os preços do barril WTI Crude (Contrato de Setembro) fecharam em torno de US$ 90,60 no fechamento da nossa coluna. No início do mês chegou a US$ 94/barril, mas também caiu a U$S 86,50/barril em 16/08. A tendência mais recente é de queda, mas as oscilações tem sido frequentes.

4. No mercado de açúcar, ficar de olho nos preços do adoçante. Na segunda quinzena de julho, foram registradas diversas quedas: em 18/07 estava em R$ 2.400/t e foi a R$ 2.150 no início de agosto (preços convertidos em reais com base nas negociações na Bolsa de Nova York).

5. E concluindo, vamos seguir de olho no contexto político-econômico no Brasil, especialmente agora com a proximidade das eleições; e as políticas que podem interferir no setor sucroenergético, como as decisões em relação aos CBios, a redução nos preços de combustíveis, em impostos e outros. Olhar também para a questão do câmbio, que voltou a crescer nos últimos dias e, como sabemos, também interferem nas negociações do setor (especialmente na fixação em contratos futuros).

Valor do ATR: em abril, no início do ciclo 2022/23, o preço mensal do ATR (Açúcar Total Recuperável) estava em R$ 1,2453/kg. Um mês depois, em maio, caiu para R$ 1,2212/kg. Em junho, com o avanço na oferta/moagem de cana (e como já era esperado por conta do aumento nas operações), nova queda para R$ 1,1860/kg. Já no mês passado, ao contrário da tendência anterior, os preços subiram para R$ 1,2037/kg, comportamento que reflete o progresso inferior na produção industrial do setor em comparação com o ciclo passado. No acumulado de 2022/23 até aqui, estamos com preços em R$ 1,2164.

Marcos Fava Neves
Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Acompanhe outros materiais na página DoutorAgro.com, no canal do Youtube e no MarketClub Sicoob Credicitrus, a quem agradeço ao apoio para elaborar este texto, bem como a co-autoria do Vitor Nardini Marques e Vinicius Cambaúva.

Do site: Udop