O curtailment e o “contrato regulatório” à la Thomas Hobbes – Por: Zilmar José de Souza
05-12-2025

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) inaugurou o contratualismo moderno ao propor que os indivíduos renunciem à liberdade natural em troca da paz e da segurança, numa espécie de contrato social firmado com a autoridade política local.

Mas qual a relação disto podemos fazer com o tema da vez no setor elétrico, os cortes de geração (curtailments)? Assim como no contrato social hobbesiano, em que os indivíduos cedem direitos à autoridade política, o curtailment representa a renúncia temporária de prerrogativas dos geradores em favor da segurança coletiva do sistema.

Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabeleceu que 12 distribuidoras elaborem, até o fim deste ano, instruções de operação para aplicação em suas áreas de concessão, de modo a atender aos comandos do Operador Nacional do Sistema (ONS), enviando inventário atualizado da capacidade efetiva de implementação de redução da geração nas usinas operando na modalidade Tipo III da sua área de concessão.

De acordo com o ONS, são consideradas na modalidade de operação Tipo III: (a) Usinas conectadas fora da Rede Básica que não causam impactos na operação eletroenergética do SIN; ou (b) Empreendimentos de autoprodução conectados na Rede Básica, cuja demanda seja permanentemente maior que a geração.

Essas usinas não possuem programação nem despacho centralizados e, por este motivo, não possuem relacionamento operacional com o ONS, dificultando sua inserção numa programação de cortes de geração (curtailment).

Uma das principais justificativas para se incluir as usinas Tipo III no curtailment pode estar numa fala de representante da Aneel durante a reunião que tratou do Plano Emergencial, afirmando que a questão do corte ou não corte de usinas Tipo III e Micro e Minigeração Distribuída (MMGD) é só uma questão de corte de forma coordenada pelo operador do lado da geração ou de forma descoordenada de todo mundo, tendo um blecaute ou colapso do sistema.

Nesta linha, tomo a liberdade de expandir o raciocínio do regulador e entender que o sistema elétrico opera sob um "contrato" regulatório, à la Thomas Hobbes, e os cortes de geração representam uma intervenção regulatória que flexibiliza os contratos de fornecimento dos geradores em prol da segurança operativa do Sistema.

Embora sendo pedra basilar na questão do curtailment, a MMGD não entrou no Plano Emergencial, por ora, ficando basicamente as térmicas à biomassa e pequenas hidrelétricas do Tipo III.

No caso das usinas a biomassa do Tipo III, em que são autoprodutores na essência original, uma restrição de energia elétrica ao SIN poderia comprometer os processos industriais associados como a fabricação de etanol, açúcar, biodiesel, papel, celulose, bebidas etc. e, por isto, cada caso será único e deverá ser avaliado com extremo cuidado para que os supostos benefícios de uma restrição à geração não acarretem prejuízos superiores ao próprio setor elétrico, às indústrias associadas e à Sociedade Civil como um todo.

Enfim, a aplicação do curtailment nas usinas Tipo III, ainda que emergencial, traz um desafio regulatório que obriga a sociedade a equilibrar basicamente três valores centrais: a garantia efetiva da segurança/confiabilidade do sistema elétrico, a preservação do ambiente institucional favorável ao investimento em energia renovável e assegurar a Justiça Econômica (tratando do impacto financeiro nos agentes afetados) e a distribuição equitativa dos riscos.

O curtailment, portanto, é o exercício da autoridade regulatória em tempo real e emergencial, mas seu desenho operacional ainda representa um desafio contemporâneo importante para nossos reguladores e para o equilíbrio institucional do “contrato regulatório” estabelecido à la Thomas Hobbes junto aos geradores, especialmente aqueles que são autoprodutores e têm indústrias associadas aos parques geradores e cujo impacto do curtailment vão muito além do próprio setor elétrico.

Zilmar José de Souza
Gerente de Bioeletricidade - UNICA

Fonte: Editora Brasil Energia
Do site: Udop