O etanol precisa ser tão sensual quanto o carro elétrico”, diz Adriano Pires
31-07-2025

Diretor do CBIE afirma que o Brasil pode ser potência mundial em segurança energética e cobra políticas públicas que valorizem a diversidade da matriz nacional

Por Andréia Vital

O futuro da energia no Brasil passa por um caminho de múltiplas fontes, e não por um único protagonista. Essa foi a principal mensagem de Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), durante apresentação no painel “Transição Energética e o papel dos biocombustíveis”, na Reunião Anual da Fermentec. O evento começou nesta quarta-feira (30) e segue hoje (31), em  Ribeirão Preto - SP. Com discurso firme e provocações certeiras, Pires destacou o papel estratégico dos biocombustíveis e afirmou que o país precisa tornar o etanol tão atraente quanto os carros elétricos que hoje dominam o imaginário popular.

“O carro elétrico é sensual. O etanol precisa ser tão sensual quanto ele. O Brasil não pode abrir mão de sua maior vantagem comparativa: ser um grande produtor de biocombustível. O mundo caminha para uma diversidade de fontes, e nós temos todas as cartas na mão para liderar essa transição”, afirmou.

Para contextualizar, Pires projetou a realidade brasileira no cenário mundial. “Se colocarmos o mapa do Brasil aqui na tela, veremos algo impressionante: água em abundância, vento, sol, gás natural, petróleo, nuclear e biomassa. Somos um dos maiores produtores de energia do mundo e, acima de tudo, temos uma diversidade energética que poucos países possuem”.

Segundo ele, esse mosaico de fontes coloca o Brasil em posição privilegiada no contexto da transição energética global. “Historicamente, tivemos momentos em que uma fonte dominou: lenha, carvão, petróleo. Mas o futuro não terá um protagonista único. Será um convívio de todas as fontes, com cada região explorando suas vantagens comparativas. E, nesse cenário, o Brasil tem uma oportunidade única de combinar sua matriz elétrica majoritariamente renovável com a força dos biocombustíveis”.

Ao tratar da matriz de transporte, Pires foi categórico: o Brasil não pode replicar modelos europeus e norte-americanos sem considerar suas próprias características. “O carro elétrico tem seu espaço, mas não pode ser a prioridade de política pública no Brasil. Temos outras urgências. Nossa eletricidade ainda precisa de investimentos em qualidade e estabilidade antes de sustentar uma frota massiva de veículos elétricos”.

Ele lembrou que o país tem um consumo per capita de energia elétrica relativamente baixo e que a infraestrutura atual enfrenta desafios, como apagões e oscilações frequentes. “Queremos falar de carro elétrico com uma matriz que ainda deixa o ar-condicionado queimar na oscilação? O carro elétrico é lindo na propaganda, mas a sensualidade tem que vir acompanhada de realidade”.

No mesmo tom, Pires defendeu a importância do etanol: “Temos um mercado interno consolidado, uma tecnologia madura e capacidade de exportar energia limpa para o mundo. O etanol precisa ser tratado com o mesmo apelo, a mesma atratividade que o carro elétrico tem hoje. Isso é política pública inteligente, que valoriza o que temos de melhor”.

Lei do Combustível do Futuro e o desafio da previsibilidade

O especialista elogiou a recente Lei do Combustível do Futuro, sancionada pelo presidente Lula, que prevê o aumento da mistura de etanol anidro na gasolina para até 35% e a elevação da proporção de biodiesel para 20%. “É uma boa notícia, um passo na direção certa. Mas só lei não basta. O setor de biocombustíveis precisa de previsibilidade. Sem ela, ninguém investe. Já vimos no passado o que políticas erráticas fizeram com as usinas de etanol”, disse, lembrando os efeitos do subsídio à gasolina após a descoberta do pré-sal, que derrubou o mercado e levou diversas unidades à falência.

Para Pires, a previsibilidade deve ser combinada com uma política tributária coerente. “Hoje, muitas vezes, a gasolina paga igual ou até menos imposto que o etanol. Isso é um contrassenso. O etanol gera uma externalidade positiva ambiental muito maior. É simples: ou você reduz o custo do etanol ou aumenta o custo da gasolina via tributo. Caso contrário, criamos uma concorrência desleal”.

O diretor do CBIE comparou o papel do setor de energia ao do agronegócio na segurança alimentar global. “O Brasil alimenta o mundo com proteína e grãos. Por que não ser também o provedor de segurança energética limpa e diversificada? Temos potencial para ajudar o planeta a atender o tripé: sustentabilidade, segurança energética e acessibilidade”.

Ele defendeu maior integração entre as bancadas do agro e da energia em Brasília, apontando sinergias entre os setores. “O que alimenta o mundo também pode energizá-lo. Essa complementariedade precisa ser vista como estratégia nacional. Agro e energia precisam caminhar juntos para dar ao Brasil um protagonismo inédito no cenário internacional”.

Pires também chamou atenção para o papel da Petrobras na definição das políticas de combustível. “A Petrobras é uma petroleira, vive da receita dos derivados. Quando obrigamos a aumentar a mistura de biocombustível, ela perde margem. Isso gera conflitos internos. O setor precisa de uma política de Estado, não de governo. O que não dá é mudar a cada quatro anos a estratégia para um setor que exige décadas de planejamento”.

Sobre rumores de que a Petrobras poderia entrar na produção de etanol, ele foi crítico: “Se isso acontecer, teremos um retrocesso. A Petrobras deve focar no que é dela. O etanol é uma cadeia privada que precisa de estabilidade, não de intervenção estatal”.

Encerrando sua fala, o diretor reforçou que a transição energética não pode ser movida por utopias, mas por planejamento e políticas consistentes. “Não existe energia ruim. O que é ruim é não ter energia. Cada fonte tem seu papel e sua característica. O Brasil precisa planejar olhando para a abundância e a diversidade que tem, respeitando custos e benefícios de cada modelo”.

E voltou ao ponto central, com a frase que virou a marca de sua apresentação: “O carro elétrico é sensual, todo mundo quer. Mas o Brasil tem que fazer o etanol ser tão sensual quanto ele. Se conseguirmos isso, não só garantimos nossa segurança energética, como podemos liderar o mundo nessa nova era”.

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