O papel crucial do Brasil na transição energética
29-10-2025

Confira artigo de João Guilherme Sabino Ometto

 Embora seja consensualmente óbvia a necessidade de promover a transição energética para conter as mudanças climáticas e a despeito dos avanços observados nessa agenda, ainda há um longo caminho a percorrer. É o que demonstrou novo relatório da ONU, intitulado Seizing the moment of opportunity: Supercharging the new energy era of renewables, efficiency, and electrification (Aproveitar o momento da oportunidade: impulsionando a nova era da energia renovável, eficiência e eletrificação, em tradução livre).

O elevado tom otimista com o qual o estudo foi apresentado recentemente pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, não compromete a consistência do documento, cuja leitura desapaixonada proporciona um diagnóstico claro dos progressos alcançados e dos desafios persistentes. São enfáticos os dados contidos no trabalho, elaborado com apoio da Agência Internacional de Energia (IEA), Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA), Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Banco Mundial (BIRD).

Quanto aos avanços, impressionou-me o fato de que, entre 2015 e 2024, a capacidade mundial instalada de energias renováveis cresceu 140%, ante apenas 16% das fósseis. No ano passado, 92,5% da potência elétrica global agregada foram provenientes de fontes limpas. A solar e a eólica já evitam 2,6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, quase todo o volume emitido pela União Europeia. A solar, que custava quatro vezes mais, hoje é 41% mais barata, e a eólica onshore (em terra), 53%. Ademais, 96% das novas usinas solares e eólicas produzem eletricidade a custo inferior ao de qualquer nova termelétrica fóssil. Em 2024, as renováveis responderam por três quartos de todo o crescimento da geração elétrica global.

Os benefícios também proporcionam ganhos econômicos. Em 2024, os investimentos em energia limpa ultrapassaram US$ 2 trilhões, quase o dobro dos destinados aos fósseis. Foram US$ 760 bilhões em geração renovável, US$ 729 bilhões em eficiência energética e US$ 445 bilhões em redes e armazenamento. O setor acrescentou US$ 320 bilhões ao PIB global, sustentou 10% do crescimento mundial e quase um terço da expansão da União Europeia. Já emprega 34,8 milhões de pessoas, sendo 16,2 milhões só em renováveis, ultrapassando pela primeira vez o segmento fóssil.

Porém, persistem desafios relevantes. Mais de 74% da população global vivem em países dependentes da importação de combustíveis fósseis. A disparada de encarecimento do gás natural desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia escancarou alguns problemas: valor das contas de luz explodiu e a inflação corroeu orçamentos. As energias renováveis permitem vislumbrar mais estabilidade. Desde 2000, evitaram US$ 409 bilhões em custos com combustíveis fósseis. Importar tecnologia limpa é gasto único, mas petróleo, carvão e gás representam despesas permanentes.

O estudo mostra, ainda, que a transição segue aquém do necessário. Desde 2015, devido a subsídios, redes saturadas e resistências políticas, a participação dos fósseis na matriz energética mundial caiu apenas três pontos percentuais, de 83% para 80%. Pasmem, mas três gigawatts de projetos renováveis aguardam conexão. A transformação também segue desigual: mais de 80% dos investimentos em energia limpa concentram-se em economias avançadas e na China. Enquanto isso, 666 milhões de pessoas seguem sem acesso à eletricidade.

Algo que faltou no estudo foi uma abordagem mais detalhada dos números e do papel dos biocombustíveis. Nós, brasileiros, conhecemos bem a relevância do etanol, biodiesel e bioeletricidade do bagaço de cana-de-açúcar e de outros resíduos agrícolas como fontes renováveis e de baixa pegada de carbono. De todo modo, a IEA estima que possam responder por até 20% da redução de emissões no setor de transportes até 2030.

Apesar de o novo estudo da ONU não citar de modo específico o Brasil, cabe lembrar que nosso país foi o grande desbravador da substituição de combustíveis fósseis pelo etanol e o biodiesel. Foram muitos anos de pesquisa e trabalho, envolvendo a academia, a engenharia mecânica e agrícola, a tecnologia, os agricultores, os trabalhadores e a imprensa, com alguns marcos emblemáticos, como o Proálcool, em 1975, e o carro flex, criado em 2003 pelos brasileiros. Somos precursores nessa jornada de sustentabilidade. Esperamos que na COP 30, em Belém - PA, todo o esforço realizado seja respeitado e reconhecido.

Nosso agro tem papel significativo na transição energética do planeta. Nesse sentido, lembro que, em 2024, nossa produção de biocombustíveis atingiu um novo recorde. A de etanol alcançou 37 bilhões de litros, um aumento de 4,2% frente ao ano anterior, e a de biodiesel superou os nove milhões de metros cúbicos, com um crescimento de 20,4% ante 2023. Diante dos registros históricos e desses números da ANT (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), alguém duvida do protagonismo do Brasil na agenda do clima?

*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos - EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).