Por meio da verticalização da produção, irrigação por gotejamento impulsiona geração de CBIOs
17-05-2023
Aumento expressivo da produtividade por hectare permite diluir consumo de fertilizantes sintéticos e diesel por tonelada de cana produzida. Nota de Eficiência Energética-Ambiental é melhorada e geração de créditos de descarbonização, impulsionada
Por Leonardo Ruiz
Em 2022, o mercado de Créditos de Descarbonização (CBIOs) movimentou cerca de R$ 3,4 bilhões, segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Comercializados no ano passado a R$ 111,63 a unidade (média), o CBIO integrou-se perfeitamente ao já amplo portfólio de produtos do setor bioenergético nacional, se tornando uma valiosa fonte de receita adicional para as usinas de cana-de-açúcar.
Principal ativo da Política Nacional de Biocombustível (RenovaBio), o CBIO funciona como uma espécie de “moeda de troca”. Produtoras de biocombustíveis certificadas podem gerar lastro para emissão e comercialização desses créditos. O volume a ser emitido dependerá da Nota de Eficiência Energética-Ambiental (NEEA) de cada empresa, calculada com base na pegada de carbono envolvida na produção. Em 2022, foram emitidos pouco mais de 31 milhões de CBIOs.
Mercado de CBIOs nos últimos anos
Fonte: MME, ANP e Pecege
Na outra ponta, as distribuidoras de combustíveis fósseis podem adquirir esses créditos - negociáveis na bolsa de valores - a fim de comprovar o atendimento de suas metas individuais de redução da emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE). Após a compra, ocorre a “aposentadoria” desse CBIO, processo realizado por solicitação do seu detentor que visa à sua retirada definitiva de circulação, impedindo qualquer negociação futura. Em 2022, foram “aposentados” cerca de 16,82 milhões de créditos.
A expectativa para os próximos anos é de um mercado bastante aquecido e favorável para os emissores. No longo prazo, mesmo com o aumento do volume elegível, a emissão de CBIOs deverá permanecer aquém das metas estipuladas, o que deverá resultar em fortes elevações no seu preço. Para 2030, por exemplo, a expectativa é que cada CBIO seja comercializado a R$ 345.
Expectativas futuras para o mercado de CBIOs
Fonte: EPE, B3 e Pecege
De olho nesse mercado, as unidades bioenergéticas de cana-de-açúcar têm procurado investir em tecnologias que permitam melhorar suas notas de eficiência energética-ambiental a fim de impulsionar sua geração de créditos de descarbonização e, consequentemente, obter receita adicional. No momento, a ferramenta mais viável para esse fim é a irrigação por gotejamento subterrâneo.
Por entregar as quantidades ideais de recursos hídricos de acordo com as fases do cultivo, no momento certo e diretamente na raiz da planta, essa técnica permite verticalizar a produção das áreas. A maior produtividade por hectare implica na diluição do consumo de fertilizantes sintéticos e diesel por tonelada de cana produzida. No final, esse fato se traduzirá em melhores notas de eficiência energética-ambiental e, consequentemente, em maior geração de créditos de descarbonização dentro do âmbito do RenovaBio.
Irrigação por gotejamento diminui pegada de carbono, melhora as notas de eficiência energética-ambiental e incrementa geração de CBIOs
Em alta, a irrigação por gotejamento não pode mais ser vista simplesmente como um “seguro climático” ou apenas como uma ferramenta de incremento de produtividade em anos de alto déficit hídrico. Seus benefícios vão muito além, passando pelo aumento da longevidade das áreas, estabilidade na produção, maior eficiência no uso da água, elevação da cogeração de energia, diminuição da necessidade de ampliação de área ou novos arrendamentos até a redução dos gastos com CTT (Corte, Transbordo e Transporte).
Nos últimos anos, uma nova externalidade positiva tem sido observada: melhorar as notas de eficiência energética-ambiental das usinas de cana-de-açúcar e, dessa forma, impulsionar a geração de CBIOs. O especialista agronômico da Netafim, Daniel Pedroso, explica que as empresas certificadas a operarem dentro do RenovaBio calculam suas notas por meio da RenovaCalc, ferramenta disponibilizada pela ANP que contabiliza a intensidade de carbono de um biocombustível (em g CO2 eq./MJ), comparando-a à do seu combustível fóssil equivalente.
Para o cálculo da NEEA, usinas devem informar dados das principais práticas que impactam as emissões de GEE, como o consumo de combustíveis fósseis em operações mecanizadas. Verticalização da produção poderá diluir esses volumes
Foto: Leonardo Ruiz
“Além de inserir informações primárias nessa ‘calculadora’, como área e produtividade, as usinas devem informar dados das principais práticas que impactam as emissões de GEE, como uso de corretivos agrícolas e insumos nitrogenados, queima de resíduos agrícolas e o consumo de combustíveis fósseis em operações mecanizadas. Dessa forma, quanto menor for a intensidade de carbono por tonelada de cana produzida, melhor será a nota de eficiência energética-ambiental e, consequentemente, maior será o volume elegível para produção de CBIOs”, salienta. Lembrando que a matéria-prima utilizada só é considerada caso seja cultivada em imóvel com Cadastro Ambiental Rural (CAR) ativo ou pendente e sem ocorrência de supressão de vegetação nativa.
Mas como a irrigação por gotejamento impacta esses cálculos? Pedroso esclarece que a tecnologia da Netafim permite aumentar significativamente a produtividade dos canaviais em comparação com as áreas de sequeiro. Por conta disso, a nota de eficiência energética-ambiental será 50% a 60% superior, pois o consumo de insumos e diesel será diluído em uma produção muito maior.
Daniel Pedroso ressalta que a irrigação por gotejamento desponta também como uma técnica que facilita a obtenção de certificações internacionais
Foto: Divulgação Netafim
O especialista agronômico da Netafim ressalta ainda que, diante das metas agressivas de redução das emissões de GEE anunciadas por centenas de empresas ao redor do globo, a irrigação por gotejamento desponta também como uma técnica que facilita a obtenção de certificações internacionais. “Selos como o Bonsucro comprovam a sustentabilidade de toda a cadeia produtiva da cana-de-açúcar e têm sido exigidos com cada vez mais frequência durante os processos de compra de açúcar.”
Estudo na Bevap mostra que área irrigada por gotejamento geraria 155 milhões de CBIOs contra 88 milhões do sequeiro
Detentora de uma das maiores áreas irrigadas de cana-de-açúcar do mundo, a Bioenergética Vale do Paracatu (Bevap), localizada em João Pinheiro/MG, conduziu um estudo a fim de quantificar o volume elegível de emissão de CBIOs que um canavial irrigado via gotejamento subterrâneo poderia entregar na comparação com o sequeiro (salvamento). Para o experimento, foram inseridos na RenovaCalc os mesmos dados de consumo de fertilizantes sintéticos e diesel para ambas as áreas. A única diferença foi a produtividade informada, significativamente maior no canavial irrigado por gotejamento.
No canavial manejado com irrigação subterrânea, a nota de eficiência energético-ambiental foi 61,48 para o etanol anidro e 61,13 para o hidratado. Já o sequeiro alcançou 35,28 para o anidro e 34,93 para o hidratado. A estimativa é que a área com gotejamento tenha emitido 0,07 kg de CO2 por kg de cana produzida. O sequeiro, por sua vez, teria registrado 0,16 kg de CO2/kg de cana produzida. Os dados foram fornecidos pela Bevap e calculados pela Fundação Espaço Eco.
Área irrigada na Bevap atingiu notas entre 61,13 e 61,48; notas do sequeiro, por sua vez, figuraram entre 34,93 e 35,28
Fonte: Bevap, Pecege e Fundação Espaço Eco
A redução na emissão de GEE observada refletiu positivamente na geração de créditos de descarbonização. Considerando uma produção de 85 litros de etanol para cada tonelada de cana-de-açúcar produzida, o Pecege estima que esse canavial com gotejamento renderia mais de 155 mil CBIOS, enquanto o de sequeiro, pouco menos de 89 mil. Ao valor praticado em 2022 (R$ 94,81 a unidade), a companhia obteria uma renda de R$ 14,7 milhões na área com a tecnologia, ao passo em que o sequeiro resultaria em cerca de R$ 8,4 milhões.
Experimento na Bevap mostrou que a emissão de GEE na área irrigada via gotejamento foi inferior a registrada no sequeiro: 0,07 kg de CO2/kg de cana produzida contra 0,16 kg de CO2/kg de cana produzida
Foto: Divulgação Bevap
A Supervisora de Qualidade e Melhoria Contínua da Bevap, Mayara Carvalho, conta que as altas notas de eficiência obtidas dentro do âmbito do RenovaBio qualificaram a companhia como uma das mais eficientes do Brasil. Somente em 2022, a Bevap emitiu 51.563 milhões de CBIOs para etanol hidratado e 45.837 milhões para o anidro. “Esses fatos reforçam nosso compromisso para com o meio ambiente e a sustentabilidade.”
Segundo a profissional, um dos segredos é apostar no poder da irrigação. Atualmente, a companhia mineira possui 100% de seus canaviais irrigados com diferentes sistemas: salvamento com hidro roll, pivôs de diversos modelos e gotejamento subterrâneo. “Esse experimento mostrou o quanto a irrigação por gotejamento pode contribuir para impulsionar a geração de CBIOs. Agora, estamos estendendo esse experimento para outras áreas de arrendamento/parceria a fim de consolidar ainda mais esses números.”
Mayara Carvalho: “A tecnologia de gotejamento não deve ser vista como custo, mas como um investimento com retorno garantido a curto, médio e longo prazo”
Foto: Leonardo Ruiz
Para Mayara, a tecnologia de gotejamento não pode mais ser vista como custo, mas sim como um investimento com retorno a curto, médio e longo prazo. “Além dos claros incrementos de produtividade agrícola e aumento de longevidade, esse sistema permite também aumentar a sustentabilidade das áreas. É retorno garantido, seja pelo aumento de rentabilidade dos canaviais, possibilidade de comercialização de uma maior quantidade de créditos de descarbonização ou pela maior facilidade em obter certificações internacionais e, dessa forma, conquistar novos mercados.”

