Produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil não afeta segurança alimentar, aponta estudo
18-11-2025
Pesquisa foi realizada pela Agroicone em parceria com os professores Marcelo Justus (UNICAMP), Angelo Gurgel (MIT e FGV) e David Chiaramonti (Politécnico de Torino)
O avanço da produção de etanol de cana-de-açúcar não compete com alimentos e não impacta negativamente a segurança alimentar, conclui estudo realizado pela Agroicone em parceria com os professores Marcelo Justus (UNICAMP), Angelo Gurgel (MIT e FGV) e David Chiaramonti (Politécnico de Torino, Itália), publicado pela GCB Bioenergy:
A pesquisa inédita "Revisiting the hypothesized trade-off between food and fuel: empirical evidence from the case of Brazilian sugarcane", que investigou a conexão entre a produção de etanol de cana-de-açúcar e a segurança alimentar, aponta que não foram encontradas evidências estatísticas que sustentem a relação negativa entre alimentos e biocombustíveis.
Segundo Luciane Chiodi Bachion, pesquisadora sênior e sócia da Agroicone, a novidade desta pesquisa é considerar a complexidade da segurança alimentar a partir das realidades dos domicílios e dos municípios. "Na condução do estudo, encontramos evidências de que os principais fatores associados à segurança alimentar em nível doméstico refletem direta ou indiretamente as condições de vida das famílias. Essas variáveis determinam a capacidade econômica das famílias de obter alimentos em quantidade e qualidade nutricional suficientes para uma dieta adequada", comenta.
"Em resumo, não encontramos evidências que apoiem o trade-off 'alimentos vs. biocombustíveis'. Em outra frente, o estudo mostra que a porcentagem de pessoas de referência do domicílio empregadas no cultivo de cana-de-açúcar e na produção de etanol de cana está positivamente associada à probabilidade de segurança alimentar domiciliar, embora essa associação seja de pequena magnitude", explica Sofia Arantes, pesquisadora da Agroicone.
A importância da produção de etanol de cana-de-açúcar para a economia local parece estar ligada a dois indicadores-chave: empregos e salários no setor. Especula-se que, em um cenário neutro, uma maior produção de etanol de cana-de-açúcar resulta em mais oportunidades de emprego e aumento salarial para os envolvidos na cadeia produtiva, fatores que levam a um maior consumo por parte dos trabalhadores e suas famílias, criando um efeito multiplicador na economia local. Como resultado, a renda gerada no setor eleva o acesso da comunidade a alimentos suficientes e nutritivos.
"Muito da literatura existente tende a se concentrar principalmente na compreensão das dinâmicas de preços relacionados a commodities agrícolas e não em examinar sistematicamente a relação entre biocombustíveis e segurança alimentar, considerando as características das regiões de produção e as condições sociais das famílias, empregando dados de diferentes períodos, como o proposto em nosso estudo", detalha Luciane.
Diante dos resultados observados, debater como as condições econômicas e sociais afetam o acesso das famílias aos alimentos pode ser ainda mais relevante do ponto de vista do bem-estar social do que focar exclusivamente no lado da oferta de alimentos. "Infelizmente, o debate 'alimentos versus biocombustíveis' tem se concentrado predominantemente na disponibilidade física de alimentos, ofuscando os fatores críticos do lado da demanda", diz Sofia.
O estudo também mostrou que outros fatores, como características sociais e acesso a programas sociais como o Bolsa Família, têm maior influência e desempenham um papel mais significativo na garantia da segurança alimentar, especialmente em regiões mais pobres. Em resumo, os resultados sugerem um efeito positivo da produção de etanol de cana-de-açúcar, porém de magnitude irrelevante, principalmente devido ao efeito multiplicador dos ganhos gerados pelo setor de etanol de cana-de-açúcar.
Como foi realizado o estudo
Foram utilizadas duas estratégias empíricas. Na primeira abordagem foram estimados modelos econométricos de painel, usando dados de mais de cinco mil municípios brasileiros nos anos de 2000 e 2010. Diversas fontes de dados públicos foram empregadas para construir as variáveis de controle dos diversos modelos econométricos estimados.
Na segunda estratégia, foram estimados modelos de probabilidade com microdados no nível familiar. Nesta abordagem foram utilizados dados de três edições especiais sobre segurança alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que permitiu utilizar a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) para estimar a probabilidade de os domicílios estarem em situação de segurança alimentar.
Sobre os autores
Angelo C. Gurgel - Massachusetts Institute of Technology (MIT), Cambridge, Massachusetts, EUA;
David Chiaramonti – Departamento de Energia do Politecnico di Torino, Torino, Itália;
Luciane Chiodi Bachion, Marcelo Moreira Ramalho Moreira e Sofia Marques Arantes - Agroicone, São Paulo, Brasil;
Marcelo Justus - Instituto de Economia, UNICAMP, São Paulo, Brasil.
Fonte: Uagro

