Prof. Gonçalo Pereira propõe revolução energética com biocombustíveis sustentáveis no Congresso Nacional da Bioenergia
07-07-2025

Pesquisador destaca o potencial da macaúba e da agave, critica desigualdades no mercado de CBIOs e defende inovação e educação como caminhos para a transição energética brasileira
Durante sua palestra no Painel Magno do Congresso Nacional da Bioenergia, o professor titular e coordenador do Laboratório de Genômica e Bioenergia da Unicamp Gonçalo Pereira, uma das principais vozes da ciência em defesa da bioenergia no Brasil, fez um chamado direto à ação em favor da transição energética baseada em biocombustíveis sustentáveis. Com uma abordagem didática, provocativa e visionária, Gonçalo ressaltou que o futuro - e o presente - do setor passa pela união entre tecnologia, regulação justa e compromisso ambiental.
O professor chamou atenção para o papel da macaúba, uma palmeira nativa do Brasil que, segundo ele, representa uma oportunidade revolucionária para o país. Em comparação com o dendê, responsável pela maior produção mundial de óleo, mas restrito à floresta equatorial e associado à devastação ambiental, como no caso dos orangotangos na Ásia, a macaúba pode ser cultivada em solos degradados, com pouca água, e com produtividade similar ou superior. Ele reforçou que essa planta pode não apenas substituir o óleo diesel, como também manter a pecuária em áreas de cultivo, promovendo integração entre agricultura e sustentabilidade.
Gonçalo destacou que a Acelen, empresa controlada pelo fundo Mubadala Capital, de Abu Dhabi, está investindo cerca de R$ 12 bilhões para transformar a macaúba em matéria-prima de biocombustíveis avançados. O professor citou ainda o programa BRAVE que visa desenvolver o agave como uma nova fonte de biomassa produtiva e competitiva para a produção de bioenergia. Ele citou a Casa dos Ventos, maior desenvolvedora de energia renovável do país, que comprou 140 mil hectares para investindo na planta e anunciou a construção da 1ª biorrefinaria de agave. "Não é mais futuro, é realidade", afirmou com entusiasmo.
A palestra abordou ainda o papel dos biocombustíveis de aviação, como o bioquerosene, que surgem como alternativa ao uso de baterias, inviável para aeronaves comerciais. Ele defendeu a organização de “bacias de biocombustíveis” a partir das usinas de etanol, criando sistemas logísticos integrados para viabilizar essa produção em larga escala.
O professor também compartilhou sua visão sobre os eletrocombustíveis, que aproveitam o excedente de energia renovável (solar e eólica) para produzir hidrogênio e, com a captura de CO2 proveniente da fermentação da cana, sintetizar qualquer molécula combustível de forma limpa. Ele explicou que essa convergência de bioenergia e eletrificação cria um novo modelo de matriz energética, com potencial de suprir toda a demanda nacional e ainda exportar excedentes.
Ao comentar o programa RenovaBio, Gonçalo foi crítico quanto à participação das distribuidoras no sistema de CBIOs (Créditos de Descarbonização), apontando o desequilíbrio causado pelo poder de lobby dessas empresas. Para ele, é preciso reinventar o mecanismo, tornando-o mais acessível ao cidadão comum. Em uma proposta inovadora e provocadora, sugeriu a criação do “RenovaBet”, uma espécie de sistema de incentivo gamificado, em que o consumidor poderia ganhar CBIOs ao abastecer com etanol, comparando o modelo ao funcionamento de criptomoedas como o Bitcoin. “Você deixa de ser produtor de etanol para ser minerador de etanol”, brincou.
O professor também desmontou o discurso do "food vs. fuel" (alimento versus energia), argumentando que o problema da fome não está na produção de alimentos, mas no acesso e no poder de compra. Ele comparou a Islândia, que importa quase tudo o que consome, mas não enfrenta insegurança alimentar, com o Brasil, que produz até cinco vezes mais alimentos do que consome, e ainda assim convive com a fome. “Segurança alimentar se garante com emprego e renda, não apenas com produção”, frisou.
Com uma abordagem humanista, Gonçalo finalizou com uma reflexão sobre a natureza humana, destacando a importância da empatia como fator evolutivo decisivo para o Homo sapiens. Reforçou que a solução para os grandes desafios da humanidade, incluindo a transição energética e a erradicação da fome, passa necessariamente pela educação, colaboração e união, contrapondo-se à lógica da divisão e do lucro concentrado.
A palestra terminou com uma homenagem emocionada a Antonio Cesar Salibe, o CEO da Udop, que faleceu recentemente. Gonçalo revelou que um projeto iniciado em 2017, de um ônibus híbrido movido a etanol, finalmente se concretizou. O modelo foi desenvolvido em parceria com a Horse Powertrain, subsidiária da Renault, com a WEG, e a Marcopolo, e representa uma vitória silenciosa da persistência científica e tecnológica brasileira. “Eu achei que esse projeto tinha morrido, mas ele está pronto. E quem ia apresentar aqui com a gente? Ele (Salibe). Uma coincidência? Talvez. Mas deixo aqui a minha homenagem”, concluiu, sob aplausos.
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