STJ barra “ajuste” de recurso da União em disputa bilionária com o setor sucroenergético
18-09-2025
Por maioria, 2ª Turma mantém entendimento de que homologação de cálculos e expedição de precatório têm natureza de sentença
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que não cabe ao Judiciário adequar um recurso mal interposto pela União para atacar decisão que homologou cálculos de indenização ao setor sucroenergético e determinou a expedição de precatórios. Na prática, o colegiado negou provimento a recurso especial da União e manteve a conclusão de que o meio recursal adequado não foi observado. O resultado preserva uma fronteira processual relevante em disputas que envolvem valores milionários e que, há décadas, impactam a relação entre usinas e governo federal.
A controvérsia remonta à política de tabelamento de preços aplicada entre 1985 e 1999 pelo extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), em patamar considerado insuficiente para cobrir os custos do setor. Laudo técnico da Fundação Getulio Vargas (FGV) embasou acordo firmado em 1989 no Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo a necessidade de recomposição. Desde então, diversas ações buscam indenizações — e, segundo avaliações no mercado jurídico, a União tem adotado estratégias para postergar pagamentos, elevando a conta com o passar do tempo.
No caso concreto, o pedido de indenização foi ajuizado em 1990 e transitou em julgado em 1999. Na sequência, a União tentou ação rescisória, sem êxito. Já na fase de cumprimento de sentença, os cálculos do prejuízo foram analisados e aprovados pelo Judiciário, mesmo após impugnação da União. Contra a homologação, a Fazenda interpôs agravo de instrumento.
“Erro grosseiro” e a natureza da decisão
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) não conheceu do agravo, por entender que o recurso cabível seria a apelação — e classificou a escolha da União como “erro grosseiro”. A 2ª Turma do STJ confirmou esse entendimento: a decisão que homologa os cálculos e determina a expedição de precatório ou RPV tem natureza de sentença, o que afasta o agravo de instrumento. A hipótese de agravo só se abriria se a homologação fosse tratada como incidente processual, o que não se aplica ao caso.
Votaram nesse sentido o relator, ministro Afrânio Vilela, acompanhado pelos ministros Marco Aurélio Bellizze e Teodoro Silva Santos, alinhados à jurisprudência já consolidada da turma.
Ficou vencida a ministra Maria Thereza de Assis Moura, que defendeu a possibilidade de remeter o caso ao TRF-1 para análise das alegações da União, adequando o recurso interposto erroneamente. A ministra citou precedente recente da 1ª Turma (AREsp 2.569.918) e ponderou que o tema poderá ser submetido à 1ª Seção do STJ, via embargos de divergência, o que adiaria uma solução definitiva.
“Levando em consideração o montante que se discute, a magnitude da causa, o fato de haver um grande valor que será objeto de precatório e que onerará os cofres públicos, por que não permitir que se conheça e aprecie o argumento da União, para saber se o cálculo está correto ou não?”, questionou a ministra.
A decisão restringe uma via recursal que, na avaliação de advogados do setor, vinha sendo utilizada pela União para adiar o pagamento das indenizações devidas a usinas de cana-de-açúcar afetadas pelo tabelamento de preços. Segundo relatos publicados na imprensa especializada, existe uma “janela ideal” até 2026 para a quitação dos débitos; postergar ou rediscutir valores tende a majorar a dívida pela incidência de correção e juros.
Apesar do acordo de 1989 e do histórico de decisões favoráveis às usinas, há risco de reviravoltas em virtude da magnitude dos valores e da heterogeneidade dos processos em curso. A Advocacia-Geral da União (AGU), por sua vez, prepara nova rodada de conciliações, buscando acordos mais vantajosos e sustentando dúvidas sobre os cálculos apresentados pelo setor.
Linha do tempo do caso julgado
1990 – Ação de indenização é ajuizada por usina do setor sucroenergético.
1999 – Trânsito em julgado da condenação.
Fase de cumprimento de sentença – Cálculos são homologados; União apresenta impugnação sem êxito.
União interpõe agravo de instrumento contra a homologação; o TRF-1 não conhece do recurso, apontando que cabia apelação.
2ª Turma do STJ – Por maioria, nega provimento ao recurso especial da União e mantém a posição do TRF-1, reforçando o caráter sentencial da decisão de homologação e expedição de precatório.
O que observar daqui para frente
A manutenção do rigor formal sobre o cabimento recursal em fases de liquidação e cumprimento tende a reduzir o espaço para estratégias de alongamento processual. Ao mesmo tempo, a divergência aberta — ainda que vencida — por Maria Thereza de Assis Moura e o precedente da 1ª Turma podem reacender o debate na 1ª Seção, especialmente se houver embargos de divergência. Em paralelo, a via negocial animada pela AGU e pelas usinas segue como alternativa para previsibilidade e gestão do passivo, em um contencioso que combina complexidade técnica, alto impacto fiscal e histórico regulatório sensível.
Redação com informações do Consultor Jurídico

