Tecnologias ampliam potencial do etanol para emissões negativas, aponta estudo de Embrapa e Unicamp
26-11-2025
BECCS e biochar poderiam zerar e até inverter a pegada de carbono do biocombustível, mas avanço depende de incentivos econômicos
Por Andréia Vital com informações da Embrapa
Um estudo conduzido por pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente e da Unicamp indica que o etanol de cana produzido no país poderia alcançar pegada de carbono próxima de zero, ou até negativa, com a adoção de tecnologias de captura e armazenamento de carbono e de aplicação de biochar no solo. A análise, baseada na metodologia do RenovaBio, mostra que o uso de bioenergia com captura e armazenamento de CO₂ (BECCS) e de biocarvão tem potencial para alterar o patamar de emissões do biocombustível, hoje em torno de 32,8 gCO₂e/MJ.
O BECCS permitiria capturar o CO₂ liberado na fermentação e na queima de biomassa em usinas sucroenergéticas para posterior armazenamento em formações geológicas. Já o biochar, produzido por pirólise de resíduos vegetais, imobiliza carbono de longo prazo ao ser incorporado ao solo e ainda pode melhorar características agronômicas. Nos cenários avaliados, a captura apenas na fermentação reduziria a intensidade de carbono para algo próximo de 10 gCO₂e/MJ; a aplicação de biochar, para cerca de 16 gCO₂e/MJ. A combinação dos dois processos, com captura também na combustão, resultaria em valores negativos, estimados em até –81,3 gCO₂e/MJ.
Os autores ressaltam, porém, que nenhuma usina certificada pelo RenovaBio adota hoje essas tecnologias. O principal entrave são os custos: enquanto os créditos de descarbonização (CBIOs) giram ao redor de US$ 20 por tonelada de CO₂ evitado, projetos de captura e armazenamento variam entre US$ 100 e US$ 200/tCO₂, e o biochar pode superar US$ 400/t. A ausência de infraestrutura de transporte e prospecção geológica adequada também limita o avanço de projetos.
Segundo os pesquisadores, a captura durante a fermentação é a rota mais factível no curto prazo, por envolver CO₂ relativamente puro e de baixo custo de separação. A captura na combustão, embora ofereça maior potencial de emissões negativas, exige investimentos mais pesados em equipamentos, logística e monitoramento. No caso do biochar, o estudo considera aplicações de 1 t/há, volume mais alinhado ao manejo atual, e de 4 t/ha, limite técnico associado à disponibilidade de resíduos.
A equipe também comparou o desempenho ambiental do etanol em cenários com e sem emissão negativa frente à gasolina e a veículos elétricos carregados com a matriz elétrica brasileira. Mesmo na configuração atual, o etanol se mostra menos intensivo em carbono que o combustível fóssil; com BECCS e biochar, poderia se aproximar, ou superar, resultados de veículos elétricos em alguns cenários.
Apesar do avanço do RenovaBio na criação de um mercado regulado de descarbonização, os valores praticados não sustentam tecnologias mais custosas. O estudo sugere que instrumentos adicionais, como linhas de financiamento específicas e acesso ao mercado voluntário de carbono, seriam essenciais para destravar investimentos. Em países como os Estados Unidos, créditos fiscais como o 45Q chegam a remunerar a captura de carbono a patamares muito superiores aos vistos no Brasil.
A adoção em larga escala abriria espaço para ganhos significativos. Em um cenário abrangente, que combina captura na fermentação e na combustão com aplicação de biochar, o potencial de emissões negativas poderia atingir quase 200 MtCO₂e, equivalente a cerca de 12% das emissões nacionais de 2022. Apenas a captura na fermentação renderia algo próximo de 20 MtCO₂e anuais, média de 75 mil toneladas por usina certificada.
Os autores ponderam que parte das usinas ainda carece de inventários agrícolas mais robustos e de análises detalhadas de uso da terra, o que pode afetar a precisão das estimativas de emissões. Ainda assim, destacam que o Brasil reúne condições favoráveis para liderar a transição para biocombustíveis de carbono negativo, dada a escala da cadeia sucroenergética, a maturidade industrial e a existência de políticas de descarbonização já consolidadas.
O artigo completo, assinado pelos pesquisadores Lucas Pereira, Marília Folegatti, Nilza Patrícia Ramos, Cristiano Andrade, Anna Pighinelli (Embrapa Meio Ambiente), e Rosana Galindo e Joaquim Seabra (Unicamp), foi publicado na plataforma ScienceDirect e pode ser acessado aqui.

