Usinas de cana estão mais preparadas para ciclo de preços baixos
05-11-2025

 “Dificilmente, em reunião com usina, o tema do hedge não vem à mesa”, diz Guilherme Novaes — Foto: José Roberto Miranda/Embrapa
“Dificilmente, em reunião com usina, o tema do hedge não vem à mesa”, diz Guilherme Novaes — Foto: José Roberto Miranda/Embrapa

Análise do Itaú BBA revela que empresas do setor estão com indicadores financeiros mais saudáveis e têm mais prática de hedge de preços

Por Camila Souza Ramos — São Paulo

Há um consenso no mercado de que as usinas de cana-de-açúcar vão enfrentar um período de margens apertadas — ou até mesmo negativas — na próxima safra (2026/27), que começará em abril. Mas o horizonte parece menos ameaçador do que há dez anos, quando as empresas do ramo entraram em uma crise generalizada que levou ao fechamento de uma centena de usinas no país.

Diferentemente daquela época, as usinas evoluíram na gestão de risco e em governança, aprenderam a fazer hedge de preços, aproveitaram os últimos anos de “vacas gordas” para fortalecer o caixa e conseguiram melhorar o perfil de suas dívidas, com prazos maiores, avalia o Itaú BBA.

Conforme análise do banco, que considera a carteira do segmento, em média os recursos em caixa das empresas nesta safra 2025/26 deve cobrir 2 vezes a dívida líquida de curto prazo, um indicador quase em linha com o das últimas duas safras (quando a liquidez corrente ficou em 2,1 vezes). Para o próximo ciclo, a projeção é de que esse indicador médio oscile pouco, para 1,9 vez, mas ainda acima do nível considerado mínimo ideal, de 1,5 vez.

As usinas da amostra do banco respondem por mais da metade da moagem de cana do Centro-Sul, com 317 milhões de toneladas esperadas para esta safra. Nesse universo, a relação entre dívida líquida e lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) também deve se manter controlada, abaixo do patamar crítico de 3 vezes. A alavancagem média deve ficar em 1,9 vez nesta safra, e subir para 2,1 vezes na próxima.

“As usinas estão criando políticas de risco e tendo mais governança. Dificilmente, em uma reunião hoje com uma usina, o tema da fixação [de preços] não vem à mesa naturalmente. Há dez anos, era mais difícil”, afirmou Guilherme Novaes, gerente de crédito para agronegócios do Itaú BBA.

A média das usinas da carteira do banco já travou 30% de suas exportações de açúcar da próxima safra. O número está abaixo dos cerca de 40% da média dos últimos anos para esta época do ano, e a explicação para esse cenário é a queda dos preços do açúcar nos últimos três meses. Ainda assim, é um indicador melhor do que na década passada.

“As próprias linhas de crédito para o hedge não eram tão amplas”, observou Lucas Brunetti, analista da Consultoria Agro do Itaú BBA. Se dez anos atrás as tradings ofereciam linhas para travar os preços para um período de seis a nove meses, agora as instituições financeiras oferecem linhas para travar preços para três anos.

Essa mudança reflete a melhora da qualidade do perfil de crédito das empresas, segundo Brunetti. “Conforme a empresa tem melhores indicadores, ela ganha maior prazo e pode fazer ‘hedges’ mais longos”, acrescentou.

Também mudou a visão de que o açúcar, uma commodity de exportação, era um “hedge natural” para dívida em dólar. Após algumas experiências traumáticas com volatilidade cambial que fizeram com que a dívida em dólar disparasse em fechamentos de safra, as empresas reduziram sua exposição às dívidas em moeda estrangeira. Hoje, a parcela em dólar está na casa de 20%, mas já foi de 40%, e chegou a 60% em alguns casos.

A perspectiva para os preços, porém, não é boa para a próxima safra. A projeção média das usinas da carteira do Itaú BBA é de preço médio de açúcar VHP de R$ 2.196 a tonelada, 6,7% abaixo do valor médio esperado para esta safra, e 12,4% menor que o preço médio do último ciclo (2024/25).

Em contrapartida, os custos operacionais que já sobem desde a safra 2023/24 ainda devem exercer pressão. Mas Novaes aposta em um alívio nos custos de arrendamento de terras e de cana de fornecedores.

A perspectiva para a margem Ebitda da próxima safra (descontados os gastos com tratos culturais e manutenção de entressafra) é de leve baixa, para 27%, ante um pico de 29% na safra 2024/25.

Nesta temporada, as usinas aproveitaram os preços remuneradores que travaram para o ciclo para reforçar seu caixa e fazer investimentos, como fábricas de açúcar, ampliação de moagem e até fusões e aquisições, que movimentaram R$ 2,8 bilhões.

Para a próxima safra, o Itaú BBA considera que as usinas vão frear esses investimentos, mas devem preservar os aportes em renovação de canavial, que devem subir de R$ 8 bilhões nesta safra para R$ 8,6 bilhões no próximo ciclo.

Fonte: Globo Rural