Usinas devem aliar modalidades de salvamento e deficitária para obter os melhores resultados agronômicos e financeiros
08-12-2023
Na irrigação de salvamento, o recomendado é utilizar carretéis. Na deficitária, gotejamento desponta como a melhor alternativa
Por Leonardo Ruiz
Custo de implantação, mão de obra e disponibilidade hídrica não podem mais ser vistos como obstáculos para a implantação de sistemas de produção irrigada na cultura da cana-de-açúcar no Centro-Sul do país. Na visão do pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Vinicius Bof Bufon, o único fator limitante da atualidade é a falta de planejamento para instalação de projetos que contemplem estratégias corretas de irrigação, com base nas limitações estruturais e fundiárias de cada fazenda e nas expectativas atreladas a tecnologia.
“Não vejo o custo como um gargalo, uma vez que todos os anos as usinas e agrícolas gastam fortunas replantando canaviais precocemente em função das adversidades climáticas. Sem falar da ampla disponibilidade de crédito da atualidade”, afirma.
Para ele, a questão da mão de obra competente é sim um desafio, uma vez que as chamadas equipes de irrigação das usinas possuem experiência apenas na distribuição de água residuária e vinhaça, e não necessariamente contam com grande domínio tecnológico para fazer sistema irrigado de alta eficiência. As equipes de gerência e alta gestão também não possuem, na visão do pesquisador, tanta expertise construindo estratégias otimizadas de inserção de sistema irrigado em parte da matriz produtiva, sendo que construir a melhor estratégia é essencial para ganho de sustentabilidade e mitigação do efeito das secas na quebra de moagem.
Além disso, Bufon ressalta que, com a explosão do interesse por irrigação, a pouca mão de obra com competência mais ampla ficou ainda mais disputada. “Todo esse cenário acaba levando as empresas a formar uma força de trabalho própria, mas nada tão árduo que justifique uma não implantação.”
Vinicius Bof Bufon: “O correto é trabalhar, ao mesmo tempo, com a irrigação de salvamento e a deficitária. Não é escolher uma ou outra, mas ambas”
Foto: Arquivo pessoal
O pesquisador garante que a disponibilidade hídrica não é um problema, ao contrário do que muitos acreditam. “Hoje, a grande maioria das usinas conta com departamentos ambientais bem estruturados, e as novas tecnologias de irrigação entregam alta eficiência de uso da água.” Para ele, talvez, no futuro, esse possa ser um entrave. “Mas, considerando a disponibilidade hídrica atual das regiões canavieiras, ainda há um espaço enorme para ampliação da área irrigada.”
Na opinião de Bufon, é o planejamento das estratégias a serem adotadas que pode funcionar como principal gargalo para o sucesso e, consequentemente, ampliação da irrigação na cultura da cana-de-açúcar. Segundo ele, projetar um sistema que contemple unicamente a modalidade de salvamento, ou somente a deficitária, é um erro que pode custar caro, assim como adotar uma irrigação para satisfazer 100% da demanda da cana (plena), que além de ambientalmente insustentável e financeiramente desinteressante, é quase impossível do ponto de vista operacional.
“O correto é trabalhar, ao mesmo tempo, com a irrigação de salvamento e a deficitária. Não é escolher uma ou outra, mas ambas, pois são ferramentas diferentes e que possuem objetivos e resultados distintos. O maior desafio é construir uma estratégia vencedora com a quantidade ideal dessas duas técnicas.”
Estratégia de irrigação mais eficiente alia salvamento e deficitária. Saiba mais sobre cada uma dessas modalidades
O objetivo da irrigação de salvamento é garantir uma brotação adequada numa fração maior do canavial, uma vez que ela demanda baixo volume de água, além de menor infraestrutura. O pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Vinicius Bof Bufon, frisa que, sem essa modalidade, basta um ano mais seco para a longevidade ser impactada e a empresa ter que fazer investimentos prematuros e não esperados em reformas. E a perda de soqueira ainda repercutirá em todas as safras seguintes, mesmo com o retorno de anos normais de chuva.
Nessa modalidade, o recomendado é utilizar carretéis, que irão aplicar uma única lâmina, tanto em cana-planta quanto nas soqueiras. O volume dependerá do déficit hídrico de cada mês/ano e de outras variáveis. “Temos tido excelente experiência no avanço das estratégias de gestão de lâmina de salvamento em usinas. A tecnologia evoluiu, e não faz mais sentido aplicar uma lâmina fixa de salvamento sem levar em conta o tipo de solo, mês de colheita e clima do ano. Nossa pesquisa permitiu desenvolvermos estratégias para aplicar exatamente a lâmina necessária em cada talhão considerando sua condição hídrica, gerando grande economia de água, otimização de infraestrutura e ganhos econômicos.”
Carreteis e tubos flexíveis são as melhores opções para a irrigação de salvamento
Foto: Divulgação Netafim
Na maioria dos casos, a irrigação de salvamento utiliza motobombas a diesel e requer grande necessidade de mão de obra. Por conta disso, o custo por mm aplicado é relativamente alto. Dessa forma, caso seja necessário atender uma demanda hídrica maior em determinadas áreas, especialmente nos meses de julho a setembro, o aconselhável é complementar a estratégia com a irrigação deficitária.
Vinicius Bufon esclarece que as chuvas no Centro-Sul entregam, normalmente, de 45% a 60% da demanda hídrica da cana-de-açúcar. O restante é déficit. “Pensando assim, a irrigação deficitária pode acrescentar de 20% a 30% da demanda total da cana, de forma que, no final, ainda restaria um déficit de 15% a 25% - por isso chamada de irrigação deficitária, ou irrigação com déficit controlado. Lembrando que a planta é mais eficiente com uma pequena restrição hídrica do que quando sua demanda é 100% suprida.”
Para a irrigação deficitária, Bufon recomenda as tecnologias de pivô e/ou gotejamento. Nos últimos anos, com avanço do domínio tecnológico e redução do custo, o gotejamento ganhou competitividade sobre os pivôs, especialmente pelo melhor aproveitamento de área, maior volume de irrigação e alta eficiência de uso dos recursos hídricos.
Tecnologia de gotejamento tem se mostrado como uma alternativa altamente sustentável pela capacidade de incorporar diversas outras operações, como aplicações de fertilizantes e insumos que antes demandavam mais maquinário entrando na área
Foto: Divulgação Netafim
“Por entregar água abaixo da superfície, com reduzido molhamento do solo e menor perda por evaporação, o gotejamento permite uma economia de 8% a 13% de água e energia elétrica. Ante um cenário de limitação dessas duas fontes, o gotejamento pode propiciar maior área irrigada, comparada ao pivô central”.
O pesquisador ressalta, ainda, que a tecnologia de gotejamento tem se mostrado como uma alternativa altamente sustentável pela capacidade de incorporar diversas outras operações, como aplicações de fertilizantes e insumos que antes demandavam mais maquinário entrando na área. “Conseguimos suprir toda - ou quase toda - demanda de potássio da planta injetando vinhaça através do gotejamento. E já existe tecnologia para injetar a própria água residuária com segurança. Ou seja, além de ganhos de eficiência de uso da água e energia elétrica, é possível maximizar o rendimento, a sustentabilidade e a economia.”
Irrigação de salvamento e deficitária se complementam. Mas como saber onde alocar cada uma?
Essenciais e fundamentais para compor a estratégia de adoção de um sistema irrigado na matriz produtiva das usinas, as modalidades de irrigação de salvamento e deficitária possuem, cada uma, seus próprios nichos, com proporções diferentes e baseadas nas expectativas de produção e nas limitações estruturais e fundiárias das fazendas.
O pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Vinicius Bof Bufon, explica que a irrigação deficitária demanda mais investimento por hectare, além de um prazo maior de retorno. “Nessa modalidade, meu canavial se manterá produtivo por, pelo menos, 12 anos. Sendo assim, preciso de um contrato de arrendamento ou uma solução fundiária que garanta a disponibilidade daquela área pelo tempo necessário.”
Associar a irrigação de salvamento em, pelo menos, 40% do canavial, e ocupar de 10% a 15% da área total com irrigação deficitária transformará o padrão agronômico, a competitividade e a sustentabilidade ambiental e financeira da empresa
Foto: Divulgação Netafim
Outros critérios que definirão qual estratégia será adotada incluem a disponibilidade hídrica e elétrica de cada área. “Na irrigação deficitária, a demanda por água é maior. Caso isso seja um problema, o recomendado é adotar o salvamento. O mesmo ocorre com a presença de eletricidade, que não é um fator limitante para a modalidade de salvamento, uma vez que as motobombas podem ser operadas com diesel.”
Existe a questão das expectativas de cada usina/agrícola. Bufon ressalta que uma empresa que deseja tão somente garantir a longevidade dos canaviais e, com isso, reduzir o número de reformas em função da ocorrência de estiagens, poderá implantar um sistema de salvamento em uma grande parcela da sua propriedade, deixando a modalidade deficitária para menos de 10% da área.
Por outro lado, caso a empresa tenha como objetivo garantir a longevidade, reduzir a flutuação da moagem ano a ano, verticalizar sua produção, reduzir o custo por tonelada produzida e melhorar suas notas de eficiência energética-ambiental dentro do Renovabio, ela precisará - além de instalar a modalidade de salvamento em parte de sua área - cobrir a maioria de seus canaviais colhidos entre julho e setembro com a irrigação deficitária, de preferência com a tecnologia de gotejamento.
“Associar a irrigação de salvamento em, pelo menos, 40% do canavial, e ocupar de 10% a 15% da área total com irrigação deficitária transformará o padrão agronômico, a competitividade e a sustentabilidade ambiental e financeira da empresa. Com essa estratégia, será possível reduzir significativamente a flutuação de moagem e alcançar uma das menores pegadas hídrica e de carbono do país, fato que resultará em estabilidade na produção, menos custo e maior rentabilidade por tonelada produzida.”

